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Arte e Cultura

Ousadia de raiz: pesquisador lembra músicas brasileiras depravadas bem antes do funk



"Eu peguei na pombinha / E beijei-a tanto, tanto / Que lulu cobrindo o rosto / Desatou num longo pranto", cantava Baiano na música composta por Costa Silva.

Quem cita a "Pombinha" e outra ousadia ainda mais antiga, o lundu da "Marrequinha de Iaiá", é o jornalista e pesquisador Rodrigo Faour. Ele participou do podcast G1 Ouviu e analisou a evolução dos hits com nome de mulher, de Lulu e Iaiá às atuais musas Rita e Letícia. Clique acima para ouvir.

A audácia para temas íntimos nunca faltou na música brasileira, como mostra Rodrigo no livro "A história sexual da MPB". Mas o caminho até as mulheres se declararem donas de suas próprias pombinhas e marrequinhas é longo e acidentado.

Com um recorte apenas por músicas de sucesso com nomes de mulheres, o G1 mostrou que elas refletem várias gerações com diferentes níveis de independência feminina - até a turma feroz de hoje.

Rodrigo Faour

Reprodução / Facebook

Leia abaixo os principais trechos da entrevista com Rodrigo Faour sobre as mulheres-hit:

G1 - Existe hoje uma onda de letras nomeando mulheres ferozes, que as colocam em uma posição de poder. Elas são todas feitas por homem, e parecem misturar admiração e rejeição por essas personagens. Esses sentimentos conflitantes são comuns na história?

Rodrigo Faour - As mulheres, até os anos 60, eram o diabo de saias. Ou era a musa idealizada, ou, como eram praticamente só os homens que faziam as letras, era a única culpada por tudo que dava errado no relacionamento.

As prostitutas, que eram as mulheres mais liberadas e que os homens não podiam prender em seu jugo, aí eles já olhavam com um misto de raiva e fascínio. Eles ficavam com raiva quando elas não sucumbiam aos seus desejos. Ou então as elogiavam, mas lamentavam a vida das "perdidas". E o tabu da virgindade também era uma obsessão dos compositores.

G1 - Dessas mulheres que não eram as prostitutas, mas que ousavam alguma coisa e acabavam culpadas, uma era a 'Marina', do Dorival Caymmi, que só por se pintar teve um problema.

Dorival Caymmi

Fundação Pierre Verger / Reprodução disco

Rodrigo Faour - Pois é, só por maquiar o rosto que era só dele. Ela não podia traí-lo. Porque a mulher era um bem do homem. Isso é emblemático da época. Marina é de 1947, é bem a moral da época, um bom exemplo.

G1 - Na bossa nova há muitas mulheres nominadas, mas das quais a gente sabe pouco, porque o narrador está usando a mulher para falar dos desejos dele. Aí isso vai se tornando um pouco menos comum e os anos 70 e 80 parecem uma virada para essa mulher sujeito. O que aconteceu?

Rodrigo Faour - Aconteceu uma coisa nos anos 70: os compositores, a maioria de formação universitária, começaram a dar voz às mulheres. Mesmo não tendo ainda tantas compositoras letristas. Ivan Lins, Chico Buarque, Caetano, Gonzaguinha, esses caras vão fazer músicas belíssimas dando protagonismo às mulheres. Isso era uma coisa inédita e bonita de se ver.

As mulheres são as protagonistas do seu próprio desejo. O Fernando Brant fez para o balé [espetáculo do Grupo Corpo "Maria, Maria", falando da força da mulher brasileira. Isso foi um movimento realmente inconsciente, mas muito bonito.

G1 - Você acha que as personagens dos anos 80, como a Kátia Flávia e a Bete Balanço, se aproveitaram da liberação dos anos 70 para serem ainda mais sujeitos de suas histórias?

Geração aventureira

Arte G1

Rodrigo Faour - Acho que é a evolução natural da sociedade. A juventude dos anos 80 é diferente dos 70 e 60. Claro que nem sempre para se anda para frente. Mas nos anos 70 e 80 você vê nitidamente uma evolução dessa temática.

Mas, por exemplo, chega 1986, com essas músicas Michael Sullivan e Paul Massadas, as letras mais românticas de uma forma geral têm um retrocesso. Uma visão do amor romântico muito idealizado.

E aí a partir dos anos 90, a música radiofônica, massificada, tirando uma parte do pop, ficou muito popularesca. A gente vê que o Brasil não era tão moderno como parecia. Aí você já vai ver esses clichês do amor romântico na ordem do dia em tudo que é gênero musical. Você as próprias letras da música sertaneja vão muito nessa linha que o Sullivan e Massadas abriram.

G1 - Nossa pesquisa vem mais da bossa nova para cá, mas sei que você entende muito da música brasileira da primeira metade do século 20. E sei que lá existem transgressões, coisas que a gente imagina que sejam de agora, especialmente em relação ao comportamento sexual. A que ponto elas chegavam?

Rodrigo Faour - Sem dúvida, desde o século 19. Sempre teve, mas como a gente conhece mais as músicas com letra do fim do século 19 para cá, você vai achar um monte de música de duplo sentido, de sacanagem. A gente acha que foi o funk que inventou, mas não foi.

Isso já havia desde o maxixe. Desde as cançonetas de origem francesas, de teatro de revista, você já tinha músicas muito transgressoras. Tinha a "Pombinha de Lulu", a "Marrequinha de Iaiá", essas coisas. O cara falando do órgão sexual feminino.

Manuel Pedro dos Santos, o Baiano, foi pioneiro das gravações fonográficas no Brasil. Foi ele quem registrou o primeiro samba em disco, 'Pelo Telefone'. Ele também gravou a cançoneta 'Pombinha de Lulu'

Wikimedia

Mesmo já nos anos 40, "Oh seu Oscar", do Ataulfo Alves e do Wilson Batista: "Oh, seu Oscar, já tem meia hora que a sua mulher foi embora, e um bilhete dizia: não posso mais, eu quero viver na orgia."

Normalmente era o homem que falava que não aguentava aquele tipo de relação tão fechada, e que ele queria ir para a farra, para a orgia. Mas essa é uma exceção. E é da mesma época do "Ai que saudade da Amélia".

Então é interessante, que, o mesmo autor, da mesma época, tem duas músicas. Uma que fala que o cara tem saudade daquela mulher antiga, que fazia tudo para ele, que achava bonito não ter o que comer, e outra que já sai de casa mesmo. Não aguenta o rojão.

G1

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