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Belo Sun

Como o lobby de um militar da reserva favoreceu mineradoras canadenses na Amazônia


Dali em diante, Barroso Magno continuou reunindo-se com o governo ora como assessor, ora como consultor do grupo canadense e suas empresas associadas, o que inclui, além da Belo Sun, a Potássio do Brasil.

Desde fevereiro de 2019 diretores desta outra mineradora de Forbes & Manhattan peregrinavam pelas secretarias do ministério de Minas e Energia, como mostram documentos obtidos pela Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI). Mas foi somente após a primeira reunião de Hamilton Mourão com o executivo-chefe do grupo canadense, em junho daquele ano, que a mineradora conseguiu uma agenda com o ministro de Minas e Energia, o almirante da reserva da Marinha Bento Albuquerque.

A reunião do ministro com a Potássio do Brasil não constava na agenda pública do governo até o contato da Pública, realizado em 9 de fevereiro passado.

O encontro, ocorrido em 25 de setembro de 2019, envolveu ainda o deputado federal pelo Amazonas Silas Câmara (Republicanos), então presidente da comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Via LAI, o ministério confirmou a presença de diretores da mineradora canadense no encontro, além do diretor-geral da Agência Nacional de Mineração à época, Victor Bicca.

Até o fechamento do texto, a pasta não respondeu por que a Potássio do Brasil não constava na agenda oficial do ministro até o nosso contato.

Um ano depois dessa reunião, o ministro Bento Albuquerque defendeu o projeto de mineração de potássio do grupo canadense perante o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, formado por membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O almirante da reserva fez a defesa da proposta acompanhado do então secretário de Geologia e Mineração do ministério, Alexandre Vidigal de Oliveira, que havia se reunido oficialmente com a Potássio do Brasil cinco vezes antes dessa ida ao Observatório Nacional. Ex-juiz federal, Oliveira depois deixou o governo para criar a área de mineração de um renomado escritório de advocacia em Brasília.

Segunda matéria sobre a reunião no Observatório Nacional, publicada no site do Ministério de Minas e Energia, uma “solução” – o licenciamento ambiental, no caso – para a mineradora canadense era “imprescindível” para o Brasil.

Só entre 2020 e 2021, houve pelo menos outras sete reuniões do governo com representantes da Potássio do Brasil. No mesmo período, a gestão federal criou a Política Pró-Minerais Estratégicos, que hoje dá “apoio ao licenciamento ambiental” da mineradora canadense.

Um dos documentos consultados pela Pública mostra que, em 2020, a companhia já antecipava a classificação de seu projeto como “estratégico”. No material, atribuído à matriz da mineradora no exterior, lê-se em inglês a frase “Potássio do Brasil é considerada de ‘importância nacional’ pelo ‘governo federal’ e pelo ‘observatório nacional’” em um slide com fotos da assinatura de contratos entre a mineradora e o governo Bolsonaro, com a presença do bilionário Stan Bharti e do vice-presidente Hamilton Mourão.

A reportagem procurou a vice-presidência da República e o ministério de Minas e Energia. “O ministério de Minas e Energia entende que os projetos que visam à produção de potássio e fosfato são importantes para o país”, disse o órgão à Pública. Já a vice-presidência não respondeu.

Impacto sobre terras indígenas, desinteresse do Ibama

A canadense Potássio do Brasil está com suas atividades na Amazônia paralisadas há cinco anos. O grupo promete investir mais de R$ 10 bilhões na criação de um polo de fertilizantes à base de potássio em Autazes (AM), a pouco mais de 100 km de Manaus, em tese suprindo 25% da demanda brasileira por fertilizantes do tipo — muito usados pelo agronegócio.

Mas seu projeto, oficialmente chamado de Potássio Autazes, atingirá comunidades indígenas e ribeirinhas no encontro do rio Madeira com o rio Amazonas, uma área com territórios não demarcados pela União, como a Terra Indígena Jauary, do povo Mura.

Localizada próximo ao rio Madeira, Terra Indígena Jauary será impactada pelo projeto Potássio Autazes

Em 2014, a companhia obteve, via governo do Amazonas, uma licença ambiental para o projeto. Mas o potencial impacto sobre os territórios indígenas em Autazes demanda avaliação — e liberação — da obra pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), segundo o MPF.

O MPF move uma ação civil pública contra a mineradora canadense, fato relatado pelo InfoAmazonia. O procurador da República Fernando Soave, que atua no caso, disse à reportagem que a companhia perfurou a área em Autazes sem a devida autorização federal.

Tempos depois, o projeto travou de vez por meio de um acordo entre a mineradora, o MPF e a União. O trato, homologado pela Justiça Federal no Amazonas em 2017, suspendia temporariamente a licença ambiental do governo do estado e interrompia a ação do MPF contra a Potássio do Brasil.

“Para o MPF, a licença ambiental concedida pelo estado do Amazonas [para a mineradora] não é válida porque envolve terras do povo Mura. O licenciamento é responsabilidade do Ibama e os indígenas precisam ser consultados”, afirma Soave à Pública.

Até o fechamento desta reportagem, a consulta aos indígenas segue inacabada. Já o Ibama se isentou do licenciamento perante a Justiça Federal. “Não compete ao IBAMA [sic] o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena”, afirma a Advocacia-Geral da União (AGU) em uma manifestação judicial consultada pela reportagem. O argumento de não competência do Ibama consta também em uma decisão da 1ª Vara da Justiça Federal no Amazonas sobre o caso, de 17 de dezembro passado, consultada pela Pública.

A reportagem questionou o Ibama sobre o motivo de seu desinteresse pelo licenciamento da Potássio do Brasil. Segundo a autarquia, “caberia ao empreendedor e/ou à Funai informarem se o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena”, e até o momento “não há registro de abertura de processo relacionado ao empreendimento” da Potássio do Brasil. Já a mineradora não respondeu.

Impacto sobre as comunidades no encontro do rio Madeira com o rio Amazonas, em Autazes, demanda avaliação

Economia presta “apoio ao processo de licenciamento ambiental”

Por um lado, o Ibama entende que o licenciamento da Potássio do Brasil não é sua responsabilidade. Por outro, o Ministério da Economia assumiu a responsabilidade de dar “apoio ao processo de licenciamento ambiental” da mineradora canadense em setembro de 2021. O auxílio se dá por meio de um servidor federal que conhece o caso há anos.

Um dos signatários do acordo judicial de 2017 é o procurador Frederico Munia Machado, então representante do órgão correspondente à atual ANM. Desde 2020, ele trabalha no Programa de Parcerias de Investimento (PPI) do Ministério da Economia, principal interface do governo com a iniciativa privada.

O mesmo servidor atua também como titular, pela Secretaria Especial do PPI, do Comitê Interministerial de Análise de Projetos Minerais Estratégicos — responsável por executar a Política Pró-Minerais Estratégicos, que favoreceu o grupo canadense no fim de 2021.

Segundo o decreto de criação dessa política, “à Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos do Ministério da Economia caberá prestar o apoio ao processo de licenciamento ambiental dos projetos habilitados”. Ainda segundo o governo federal, o auxílio se dá “na articulação necessária para minimizar riscos e solucionar conflitos que venham a ser identificados”.

A estrutura do comitê tem, além do Ministério da Economia, o Gabinete de Segurança Institucional, o Ministério de Minas e Energia e a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República como participantes com total direito a voto. Além deles, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações também participa, mas com poder de voto limitado a projetos de mineração de terras raras, como lítio e nióbio.

Não há representantes do Ministério do Meio Ambiente ou de suas agências de fiscalização no comitê nem servidores de outros órgãos envolvidos no licenciamento ambiental de mineradoras — como Funai, Fundação Palmares, Incra ou Iphan.

O ministério de Minas e Energia afirmou, por meio de nota, que “os órgãos ambientais permanecem integralmente responsáveis pela condução e decisão dos processos de licenciamento ambiental dos projetos habilitados na Política Pró-Minerais Estratégicos”. Já o ministério da Economia não respondeu.

“Nosso histórico fala por si”

Stan Bharti não esconde sua receita para o sucesso na mineração. “O que eu faço? Cerco as [nossas] empresas com consultorias legais, financeiras, de relações públicas, contrato um bom geólogo, um bom engenheiro, um bom operador de mineradoras de ouro, prata ou cobre”, diz o executivo-chefe do Forbes & Manhattan em outro dos vídeos institucionais do grupo.

Na mesma ocasião, Bharti explica ainda o principal objetivo do seu banco de investimentos. “Nós desenvolvemos nossas companhias por um período entre três e cinco anos, valorizando-as e depois as revendendo”, diz, logo antes de complementar: “Nosso histórico fala por si, pois vendemos mais de dez empresas nos últimos 15 anos, as vendemos por dez vezes o que valiam originalmente”.

Uma antiga apresentação do Forbes & Manhattan consultada pela Pública mostra que em 2014 o grupo anunciou no principal evento de mineração no país que controlava ao menos seis empresas — Belo Sun e Potássio do Brasil entre elas — com direitos minerários sobre quase 3 milhões de hectares. Ou seja, tinha preferência de mineração sob uma área maior que o estado inteiro de Alagoas.

O método de desenvolvimento para futura revenda foi aplicado em pelo menos uma dessas seis companhias, a mineradora Aguia Fertilizantes S.A., que também prospecta minérios para a fabricação de fertilizantes. Hoje sob controle de um grupo australiano, a companhia atua no Rio Grande do Sul, em uma região do Pampa ameaçada por disputas crescentes em torno da mineração.

O histórico do Forbes & Manhattan vai mais longe, com a venda de uma mineradora de ouro na Bahia nos anos 2000. O banco de Stan Bharti foi o primeiro a desenvolver, via sua antiga empresa Desert Sun, a estrutura hoje operada pela também canadense Yamana Gold. Em 2006, a Yamana adquiriu os direitos de exploração em Jacobina (BA), então controlados pelo Forbes & Manhattan, por 750 milhões de dólares canadenses — mais de R$ 3 bilhões, na cotação atual.

A Pública já relatou o caso da Yamana Gold na Chapada Diamantina. Moradores próximos temem o rompimento da barragem da companhia no local, além de existirem registros de concentração de substâncias tóxicas derivadas da mineração — como cianeto e soda cáustica — em veios d’água que abastecem a área. Mesmo assim, em janeiro de 2022 o governo da Bahia autorizou a ampliação das atividades da mineradora de ouro canadense.

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