Como o lobby de um militar da reserva favoreceu mineradoras canadenses na Amazônia

Por Redação Achado Top em 21/02/2022 às 04:45:06

Dali em diante, Barroso Magno continuou reunindo-se com o governo ora como assessor, ora como consultor do grupo canadense e suas empresas associadas, o que inclui, além da Belo Sun, a Potássio do Brasil.

Desde fevereiro de 2019 diretores desta outra mineradora de Forbes & Manhattan peregrinavam pelas secretarias do ministério de Minas e Energia, como mostram documentos obtidos pela Pública via Lei de Acesso à Informação (LAI). Mas foi somente após a primeira reunião de Hamilton Mourão com o executivo-chefe do grupo canadense, em junho daquele ano, que a mineradora conseguiu uma agenda com o ministro de Minas e Energia, o almirante da reserva da Marinha Bento Albuquerque.

A reunião do ministro com a Potássio do Brasil não constava na agenda pública do governo até o contato da Pública, realizado em 9 de fevereiro passado.

O encontro, ocorrido em 25 de setembro de 2019, envolveu ainda o deputado federal pelo Amazonas Silas Câmara (Republicanos), então presidente da comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados. Via LAI, o ministério confirmou a presença de diretores da mineradora canadense no encontro, além do diretor-geral da Agência Nacional de Mineração à época, Victor Bicca.

Até o fechamento do texto, a pasta não respondeu por que a Potássio do Brasil não constava na agenda oficial do ministro até o nosso contato.

Um ano depois dessa reunião, o ministro Bento Albuquerque defendeu o projeto de mineração de potássio do grupo canadense perante o Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, formado por membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O almirante da reserva fez a defesa da proposta acompanhado do então secretário de Geologia e Mineração do ministério, Alexandre Vidigal de Oliveira, que havia se reunido oficialmente com a Potássio do Brasil cinco vezes antes dessa ida ao Observatório Nacional. Ex-juiz federal, Oliveira depois deixou o governo para criar a área de mineração de um renomado escritório de advocacia em Brasília.

Segunda matéria sobre a reunião no Observatório Nacional, publicada no site do Ministério de Minas e Energia, uma “solução” – o licenciamento ambiental, no caso – para a mineradora canadense era “imprescindível” para o Brasil.

Só entre 2020 e 2021, houve pelo menos outras sete reuniões do governo com representantes da Potássio do Brasil. No mesmo período, a gestão federal criou a Política Pró-Minerais Estratégicos, que hoje dá “apoio ao licenciamento ambiental” da mineradora canadense.

Um dos documentos consultados pela Pública mostra que, em 2020, a companhia já antecipava a classificação de seu projeto como “estratégico”. No material, atribuído à matriz da mineradora no exterior, lê-se em inglês a frase “Potássio do Brasil é considerada de ‘importância nacional’ pelo ‘governo federal’ e pelo ‘observatório nacional’” em um slide com fotos da assinatura de contratos entre a mineradora e o governo Bolsonaro, com a presença do bilionário Stan Bharti e do vice-presidente Hamilton Mourão.

A reportagem procurou a vice-presidência da República e o ministério de Minas e Energia. “O ministério de Minas e Energia entende que os projetos que visam à produção de potássio e fosfato são importantes para o país”, disse o órgão à Pública. Já a vice-presidência não respondeu.

Impacto sobre terras indígenas, desinteresse do Ibama

A canadense Potássio do Brasil está com suas atividades na Amazônia paralisadas há cinco anos. O grupo promete investir mais de R$ 10 bilhões na criação de um polo de fertilizantes à base de potássio em Autazes (AM), a pouco mais de 100 km de Manaus, em tese suprindo 25% da demanda brasileira por fertilizantes do tipo — muito usados pelo agronegócio.

Mas seu projeto, oficialmente chamado de Potássio Autazes, atingirá comunidades indígenas e ribeirinhas no encontro do rio Madeira com o rio Amazonas, uma área com territórios não demarcados pela União, como a Terra Indígena Jauary, do povo Mura.

Reprodução de um mapa mostra área circulada em vermelho
Localizada próximo ao rio Madeira, Terra Indígena Jauary será impactada pelo projeto Potássio Autazes

Em 2014, a companhia obteve, via governo do Amazonas, uma licença ambiental para o projeto. Mas o potencial impacto sobre os territórios indígenas em Autazes demanda avaliação — e liberação — da obra pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), segundo o MPF.

O MPF move uma ação civil pública contra a mineradora canadense, fato relatado pelo InfoAmazonia. O procurador da República Fernando Soave, que atua no caso, disse à reportagem que a companhia perfurou a área em Autazes sem a devida autorização federal.

Tempos depois, o projeto travou de vez por meio de um acordo entre a mineradora, o MPF e a União. O trato, homologado pela Justiça Federal no Amazonas em 2017, suspendia temporariamente a licença ambiental do governo do estado e interrompia a ação do MPF contra a Potássio do Brasil.

“Para o MPF, a licença ambiental concedida pelo estado do Amazonas [para a mineradora] não é válida porque envolve terras do povo Mura. O licenciamento é responsabilidade do Ibama e os indígenas precisam ser consultados”, afirma Soave à Pública.

Até o fechamento desta reportagem, a consulta aos indígenas segue inacabada. Já o Ibama se isentou do licenciamento perante a Justiça Federal. “Não compete ao IBAMA [sic] o licenciamento ambiental do projeto de mineração Potássio do Brasil por não se desenvolver ou estar localizado em terra indígena”, afirma a Advocacia-Geral da União (AGU) em uma manifestação judicial consultada pela reportagem. O argumento de não competência do Ibama consta também em uma decisão da 1ª Vara da Justiça Federal no Amazonas sobre o caso, de 17 de dezembro passado, consultada pela Pública.

A reportagem questionou o Ibama sobre o motivo de seu desinteresse pelo licenciamento da Potássio do Brasil. Segundo a autarquia, “caberia ao empreendedor e/ou à Funai informarem se o empreendimento estiver localizado dentro da Terra Indígena”, e até o momento “não há registro de abertura de processo relacionado ao empreendimento” da Potássio do Brasil. Já a mineradora não respondeu.

Na imagem é possível ver um barco no rio Madeira, próximo a margem
Impacto sobre as comunidades no encontro do rio Madeira com o rio Amazonas, em Autazes, demanda avaliação

Economia presta “apoio ao processo de licenciamento ambiental”

Por um lado, o Ibama entende que o licenciamento da Potássio do Brasil não é sua responsabilidade. Por outro, o Ministério da Economia assumiu a responsabilidade de dar “apoio ao processo de licenciamento ambiental” da mineradora canadense em setembro de 2021. O auxílio se dá por meio de um servidor federal que conhece o caso há anos.

Um dos signatários do acordo judicial de 2017 é o procurador Frederico Munia Machado, então representante do órgão correspondente à atual ANM. Desde 2020, ele trabalha no Programa de Parcerias de Investimento (PPI) do Ministério da Economia, principal interface do governo com a iniciativa privada.

O mesmo servidor atua também como titular, pela Secretaria Especial do PPI, do Comitê Interministerial de Análise de Projetos Minerais Estratégicos — responsável por executar a Política Pró-Minerais Estratégicos, que favoreceu o grupo canadense no fim de 2021.

Segundo o decreto de criação dessa política, “à Secretaria Especial do Programa de Parcerias e Investimentos do Ministério da Economia caberá prestar o apoio ao processo de licenciamento ambiental dos projetos habilitados”. Ainda segundo o governo federal, o auxílio se dá “na articulação necessária para minimizar riscos e solucionar conflitos que venham a ser identificados”.

A estrutura do comitê tem, além do Ministério da Economia, o Gabinete de Segurança Institucional, o Ministério de Minas e Energia e a Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República como participantes com total direito a voto. Além deles, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações também participa, mas com poder de voto limitado a projetos de mineração de terras raras, como lítio e nióbio.

Não há representantes do Ministério do Meio Ambiente ou de suas agências de fiscalização no comitê nem servidores de outros órgãos envolvidos no licenciamento ambiental de mineradoras — como Funai, Fundação Palmares, Incra ou Iphan.

O ministério de Minas e Energia afirmou, por meio de nota, que “os órgãos ambientais permanecem integralmente responsáveis pela condução e decisão dos processos de licenciamento ambiental dos projetos habilitados na Política Pró-Minerais Estratégicos”. Já o ministério da Economia não respondeu.

“Nosso histórico fala por si”

Stan Bharti não esconde sua receita para o sucesso na mineração. “O que eu faço? Cerco as [nossas] empresas com consultorias legais, financeiras, de relações públicas, contrato um bom geólogo, um bom engenheiro, um bom operador de mineradoras de ouro, prata ou cobre”, diz o executivo-chefe do Forbes & Manhattan em outro dos vídeos institucionais do grupo.

Na mesma ocasião, Bharti explica ainda o principal objetivo do seu banco de investimentos. “Nós desenvolvemos nossas companhias por um período entre três e cinco anos, valorizando-as e depois as revendendo”, diz, logo antes de complementar: “Nosso histórico fala por si, pois vendemos mais de dez empresas nos últimos 15 anos, as vendemos por dez vezes o que valiam originalmente”.

Uma antiga apresentação do Forbes & Manhattan consultada pela Pública mostra que em 2014 o grupo anunciou no principal evento de mineração no país que controlava ao menos seis empresas — Belo Sun e Potássio do Brasil entre elas — com direitos minerários sobre quase 3 milhões de hectares. Ou seja, tinha preferência de mineração sob uma área maior que o estado inteiro de Alagoas.

O método de desenvolvimento para futura revenda foi aplicado em pelo menos uma dessas seis companhias, a mineradora Aguia Fertilizantes S.A., que também prospecta minérios para a fabricação de fertilizantes. Hoje sob controle de um grupo australiano, a companhia atua no Rio Grande do Sul, em uma região do Pampa ameaçada por disputas crescentes em torno da mineração.

O histórico do Forbes & Manhattan vai mais longe, com a venda de uma mineradora de ouro na Bahia nos anos 2000. O banco de Stan Bharti foi o primeiro a desenvolver, via sua antiga empresa Desert Sun, a estrutura hoje operada pela também canadense Yamana Gold. Em 2006, a Yamana adquiriu os direitos de exploração em Jacobina (BA), então controlados pelo Forbes & Manhattan, por 750 milhões de dólares canadenses — mais de R$ 3 bilhões, na cotação atual.

A Pública já relatou o caso da Yamana Gold na Chapada Diamantina. Moradores próximos temem o rompimento da barragem da companhia no local, além de existirem registros de concentração de substâncias tóxicas derivadas da mineração — como cianeto e soda cáustica — em veios d’água que abastecem a área. Mesmo assim, em janeiro de 2022 o governo da Bahia autorizou a ampliação das atividades da mineradora de ouro canadense.

Fonte: Publica

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