Os encontros de Jair Bolsonaro com o presidente russo Vladimir Putin e com o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, em viagem oficial na última semana, mostram que as proximidades entre os governos dos países têm extrapolado os campos da ideologia e do discurso, e se traduzido em alianças internacionais contra a igualdade de gênero – tanto com relação ao próprio conceito de gênero quanto aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e das pessoas LGBTQIA+. A análise é da coordenadora do Observatório de Sexualidade e Política (SPW), Sonia Corrêa, uma das principais referências acadêmicas do país em estudos feministas.
Bolsonaro, que chamou o líder da extrema-direita húngara de ‘irmão’ e Putin de ‘amigo’, traduziu as afinidades com esses dois líderes ultraconservadores como uma crença comum em ‘Deus, Pátria e Família’, lema que, como bem observou Igor Gielow em matéria da Folha, evoca o slogan histórico do fascismo e do integralismo. Em entrevista à Agência Pública, Sonia analisou os múltiplos significados dos encontros entre as lideranças, que acontecem em ano de eleições brasileiras, mas também Húngaras, e de definições de troca de comando em vários países da América Latina.
Bolsonaro destacou, tanto no encontro com Putin quanto com Orbán, que os governos do Brasil, da Rússia e da Hungria têm em comum a defesa da “família”, o que, para o presidente brasileiro parece ser a defesa da família heteronormativa monogâmica. Você pode explicar um pouco como esse discurso da defesa da família une governos de extrema direita e como ele é usado para atacar direitos LGBTQIA+ e das mulheres?
A defesa da “família” ou de um certa concepção de família também é um tema recorrente da doutrina cristã, em especial do catolicismo. Essa doutrina sofreu transformações ao longo da história, mas pelo menos desde o século XIII ela está ancorada nas elaborações teológicas de São Tomás de Aquino sobre o significado da reprodução humana, que, de fato, derivam de concepções aristotélicas sobre a procriação humana como manifestação do divino no humano. As correntes que defendem essa visão afirmam que a “família natural” precede e tem primazia sobre a sociedade e o estado. Essa ideologia familista tem, sem dúvida, um sentido doutrinário religioso e que, por exemplo, condena as formas não heterossexuais de parentesco. Contudo, elas não são apenas uma “pauta religiosa, moral ou dos costumes” como costuma se dizer no Brasil.
Nas disputas políticas de hoje, essas visões muito antigas sobre a “família” estão acopladas à equação mais ampla da racionalidade neoliberal que valoriza e reforça o papel da família numa chave dupla. Por um lado, concebe a “família” como um elemento de estabilização de ordens sociais, que, regidas pela economia do mercado, estão sujeitas a instabilidades permanentes. Por outro, como argumentou explicitamente Angela Gandra (secretária Nacional da Família, do ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos), num artigo recente: “investir na família permite reduzir os custos públicos de proteção social” A política familista se articula, portanto, com a pauta do Estado mínimo. Por outro lado, considerando que estamos analisando a viagem de Bolsonaro a Rússia e Hungria é importante lembrar que nesses dois países, onde a fecundidade é muito baixa, os governos também investem na família com objetivos demográficos, ou seja para promover famílias numerosas.
O discurso contra a ‘ideologia de gênero’ está presente nas falas de Bolsonaro, de Putin e de Orbán. A Hungria é internacionalmente reconhecida por políticas contra direitos fundamentais e tem sido uma referência para o governo brasileiro nesse sentido. Quais são as convergências entre Rússia, Hungria e Brasil nas ofensivas antigênero?
Sim, os discursos de Bolsonaro, Putin e Orbán convergem de maneira flagrante quando se trata do repúdio ao gênero. Mas antes de olhar mais de perto essas linhas de convergência, é interessante resgatar, brevemente, como o repúdio ao gênero se vincula a políticas familistas. É, importante, lembrar, por exemplo, que ainda nos anos 1980 – ou seja muito antes da invenção “ideologia de gênero” – o cardeal Ratzinger já interpretava as demandas feministas por anticoncepção e aborto e as primeiras decisões judiciais sobre resignação de sexo, adotadas na Alemanha, como ameaças a reprodução, a família e a natureza humana.
A versão madura desse repúdio se sedimentaria nos anos 1990, com base em dois argumentos. O primeiro deles é que o conceito de gênero é um engodo, pois se apresenta como defesa da igualdade entre homens e mulheres para, na verdade, promover a “polimorfia sexual” , o “fim da família” e a “destruição do humano”. O segundo, não menos importante, é que a “ideologia de gênero” é uma “nova cara do marxismo” . Isso significa que é importante examinar o alinhamento entre os três autocratas que se encontraram na semana passada em relação a esse enquadramento como um todo, e não apenas em relação a ofensivas ou políticas específicas.
Não vou me estender sobre como o espantalho “ideologia de gênero” tomou corpo nas eleições de 2018 para em seguida ser reiterado no discurso de posse e, posteriormente traduzido em políticas públicas. Como mostra o relatório que publicamos com organizações parceiras em outubro de 2021, hoje essas políticas estão centradas por um lado em ataques sistemáticos ao gênero, sobretudo na política educacional e em estratégias de fortalecimento da “família”. Um claro exemplo é a conversão do Disque 100 – um sistema de denúncia de violações de direitos humanos – em aparato de patrulhamento antigênero, como disse o professor Marco Prado em entrevista para a Pública. Essa gravíssima distorção de finalidade, inclusive, é objeto da ADPF 942 apresentada ao STF pela CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação) e CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde) em 8 de fevereiro de 2022.
Qual tem sido a posição do governo de Putin nesse campo?
Putin, desde muito também manifesta repúdio à dita “ideologia de gênero” . Um pouco antes do anúncio da viagem de Bolsonaro a Moscou, numa reunião do Valdai Discussion Club, ele fez uma longa diatribe [crítica severa] contra gênero como questão geopolítica. Nessa fala estabeleceu uma analogia entre as atuais políticas de gênero na educação com o que chamou de experimentos educacionais do totalitarismo soviético destinados a “destruição deliberada da religião e da família” e sugeriu que a “propagação de ideologia de gênero deveria ser considerado um crime contra a humanidade”.
Como já disse antes, a Rússia tem hoje uma política consolidada de promoção da família como estratégia de incremento de natalidade e há indícios que o acesso ao aborto, que continua legal, tem sido dificultado. A Rússia também adotou, no começo dos anos 2010, uma lei que proíbe a “propaganda da homossexualidade”. Contudo, o sinal mais flagrante de convergência de posições do Brasil e da Rússia no campo dos debates sobre gênero tem se dado no Conselho de Direitos Humanos da ONU. Nessa arena, desde 2019, os dois países têm se alinhado em votações de resoluções sobre direitos de mulheres e meninas, como mostramos num artigo publicado na FSP no começo de janeiro que, inclusive, provocou reações de autoridades governamentais, inclusive do próprio Bolsonaro.
É importante dizer que no comunicado conjunto no último dia 16, Bolsonaro se referiu explicitamente à defesa da família. Putin falou de valores compartilhados mas, esses temas não foram diretamente mencionados nas referências à colaboração entre Brasil e Rússia nas Nações Unidas. A despeito deste silêncio, eu diria que é preciso ficarmos alertas com relação ao que vai acontecer nas próximas reuniões do Conselho de Direitos Humanos em março, junho e setembro de 2022.
Com a Hungria o Brasil já tem um intercâmbio mas consolidado nas questões de direitos humanos e gênero?
Orbán foi um dos chefes de Estado que esteve presente na posse de Bolsonaro e fez questão de mencionar isso no discurso que fez no dia 17 de fevereiro [durante encontro com o presidente brasileiro]. E, na Hungria que desde 2015, os ataques à produção acadêmica em gênero foram sistemáticos. Hoje os estudos de gênero estão praticamente paralisados no país e várias pesquisadoras feministas deixaram a Hungria.
Além disso, a Hungria conta com um Ministério da Família e já há alguns anos implementa políticas robustas de “proteção à família”.
No que diz respeito às políticas LGBTTI+, no ano passado, uma reforma da lei de proteção contra pedofilia incluiu uma cláusula que proíbe o compartilhamento de conteúdos LGBTTI+ para crianças. A lei foi severamente criticada dentro e fora do país, inclusive pela União Europeia que a considera como infração à Convenção Europeia de Direitos Humanos. Em resposta a essas críticas, Orbán convocou um plebiscito de apoio à lei que vai coincidir com as eleições parlamentares de abril.
Desde 2019, o governo brasileiro participou com o governo húngaro de duas iniciativas originalmente criadas pelo governo Trump: a Iniciativa Internacional pela Liberdade Religiosa e o chamado Consenso de Genebra. E o ministério de Damares estabeleceu uma vasta pauta de intercâmbios com a Hungria. Por exemplo, Damares Alves e Angela Gandra têm participado das Cúpulas Demográficas anuais promovidas pelo governo . A comunicação entre o ministério brasileiro e seu congênere húngaro é constante. Ademais Gandra e Katlin Novak [ministra da pasta da Família na Hungria] são membras muito ativas da Political Network for Values, uma rede neoconservadora global muito conhecida. Essas trocas intensas entre os dois países também sugerem que talvez não seja absurdo supor que o projeto de lei apresentado, em 2020, por uma deputada do PSD na Assembleia Legislativa de São Paulo para proibir a participação de pessoas LGBTTI+ em publicidade, possa, eventualmente, ter sido inspirado pela dinâmica húngara.
A pauta econômica e comercial entre Hungria e Brasil é relativamente modesta, quando comparada com a Rússia. Mas são muitas e flagrantes as convergências ideológicas nesses âmbitos de ação política. Não surpreende, portanto, que Bolsonaro tenha chamado Orbán de irmão ou que as afinidades entre ambos no que se refere a “defesa da família” e “proteção da liberdade religiosa” (cristã) tenham sido tão proeminentes nos comunicados de Budapeste.
Finalmente, mas não menos importante, desde que Ernesto Araújo deixou o cargo de chanceler, em abril de 2021, Angela Gandra tem assumido um papel diplomático equivalente ao de Katlin Novak. É ela quem está gerindo política externa em relação à família, gênero e direitos sexuais e reprodutivos e outros temas correlatos. E suas atividades internacionais se intensificaram muito. Oferecemos um balanço desses périplos no nosso balanço da política sexual em 2021, na seção Políticas Antigênero. Entre outros eventos dessa lista é interessante mencionar que em outubro, em Genebra, o governo brasileiro promoveu em parceria com a Hungria e a Polônia e da participação da OIT (Organização Internacional do Trabalho), um painel sobre conciliação familiar e trabalho que contou com a presença da ministra Damares e da secretaria da Família, Angela Gandra. Na mesma viagem, Damares e Gandra tiveram uma audiência com o chanceler húngaro para debater novas possibilidades de cooperação. E, na sede da missão brasileira na ONU, foi feita uma comemoração do primeiro aniversário do Consenso de Genebra, oportunidade em que se anunciou a adesão da Rússia ao grupo.
O que a entrada da Rússia no Consenso de Genebra representa?
O Consenso de Genebra foi uma plataforma formalizada pelo governo Trump nos seus momentos finais (outubro de 2020). A iniciativa foi precedida por duas declarações, também assinadas pelo Brasil, que foram apresentadas na Assembleia Geral da OMS e na Assembleia Geral da ONU em 2019. Polônia, Hungria e Brasil foram os parceiros de primeira hora dos Estados Unidos. O documento final condena as políticas de saúde reprodutiva e os direitos reprodutivos e clama pela defesa da família e foi originalmente assinado por 36 países, um número bastante restrito quando se considera que a ONU tem 193 estados membros. Com a derrota de Trump, o governo Biden abandonou a plataforma, que passaria a ser liderada pelo Brasil. Em setembro de 2021, a Guatemala aderiu ao consenso, se tornando o segundo país latino-americano a participar da plataforma. Na sequência, anunciou-se a adesão da Rússia.
Com a saída dos EUA, a liderança brasileira e a recente adesão da Rússia, em razão do peso geopolítico dos dois países, dão sem dúvida maior tração à iniciativa. Mas é importante enfatizar que o chamado Consenso de Genebra não é uma plataforma institucionalizada das Nações Unidas. É nada mais que um mecanismo de pressão criado por estados conservadores, para incidir nos debates do sistema internacional de direitos humanos, sobre questões relacionadas a gênero, família e direitos sexuais e reprodutivos. Em razão do novo papel de liderança do Brasil, é evidente que os resultados do processo eleitoral de 2022 serão determinantes para o destino da plataforma. Estou certa que há muitos atores estatais e não estatais de direita e do campo religioso neoconservador preocupados com isso. É, portanto, fundamental que as organizações da sociedade civil que lutam por igualdade de gênero, pelos direitos sexuais e reprodutivos e pelo reconhecimento pleno da pluralidade das famílias estejam atentas a esses desdobramentos.
Esses alinhamentos são apenas discursivos ou têm implicações concretas?
A convergência dos discursos de Bolsonaro, Putin e Orbán em torno dos temas de gênero, família, defesa da tradição e da religião cristã é incontestável. Mas há diferenças significativas no que diz respeito à densidade institucional dos alinhamentos entre Brasil e Rússia, por um lado, e Brasil e Hungria, por outro, no que diz respeito aos temas de que estamos tratando.
Não houve, até aqui, intercâmbios mais sistemáticos entre Brasil e Rússia do ponto de trocas de experiência e formulação e implementação de políticas públicas, como tem claramente acontecido com a Hungria. Talvez novas iniciativas e pautas de colaboração nos debates do sistema ONU venham se desdobrar a partir da visita a Moscou. Além disso, é preciso considerar que as relações Brasil-Rússia tem uma longa trajetória, não começaram com Bolsonaro. Elas vinham tomando corpo desde o governo Fernando Henrique e ganharam escala e substância durante os governos Lula e Dilma por efeito da criação dos BRICS [grupo de países emergentes formado Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul]. Ou seja, é importante ficarmos atentas não apenas às arenas da ONU mas também aos outros espaços intergovernamentais nos quais Brasil e Rússia interagem, para captar eventuais iniciativas conjuntas nos campos de que estamos tratando.
Já no caso da Hungria, o intercâmbio já existe, é muito intenso e vai ter desdobramentos ao longo de 2022, mesmo quando nenhum/nenhuma representante do ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos estivesse na comitiva presidencial. Nesse caso, trata-se de estabelecer mecanismos de monitoramento mais sistemático dessas trocas, especialmente no que diz respeito à política familista.
Inicialmente, quando ainda estava prevista a presença de gestores da política cultural na comitiva presidencial, parecia estar se desenhando um plano mais ambicioso de cooperação com Hungria e Rússia neste âmbito específico. Mas a equipe da cultura foi excluída da viagem, por causa do episódio Mário Frias em Nova York. Uma das notícias que li sobre isso sugeria uma viagem a Rússia, Hungria e Polônia para intercâmbio de política cultural ainda poderia acontecer em 2022. Segundo consta, porém, os dirigentes que estariam na comitiva vão ser substituídos o que, certamente, compromete esse plano. Mesmo assim, nas atuais condições pré-eleitorais é bom não perder de vista novas iniciativas nesse âmbito de cooperação, especialmente com a Hungria que tem feito coisas bastantes sofisticadas no campo da promoção do conservadorismo cultural.
O que essa aproximação com os governos russo e húngaro sinaliza do ponto de vista das eleições deste ano?
Essas viagens aconteceram num momento em que há novos ciclos eleitorais em andamento tanto na Europa, quanto na América Latina e também nos EUA – em que estão em jogo a consolidação ou o retorno da direita . Na Europa, acabam de acontecer as eleições regionais de Castilla, na Espanha, nas quais o partido de direita VOX teve um crescimento substantivo. Em abril há eleições na França e na Hungria, sendo que, neste último país, pela primeira vez, Orbán vai enfrentar uma oposição articulada. Na América Latina, acaba de acontecer o primeiro turno das presidenciais na Costa Rica, a Colômbia elege um novo presidente em maio e em outubro teremos as eleições brasileiras. Finalmente, em novembro acontecem as eleições legislativas de meio termo nos EUA.
É interessante, ao meu ver, fazer uma breve analogia com o que aconteceu entre 2016 e 2018. Nesse ciclo, Trump foi eleito nos EUA, antes disso um feroz ataque a gênero tinha acontecido no referendo de paz na Colômbia e, ao longo de 2017, assistiu-se na América Latina uma forte mobilização das forças de direita que, contudo, não foi objeto de maior atenção. No primeiro semestre, o ônibus antigênero da organização espanhola Hazte Oir (cujo braço digital é a Citizengo) que é organicamente vinculada ao Vox passeou pelo México, Colômbia e Chile. Em junho, aconteceu no México uma Cúpula Ibero-americana de Parlamentares da qual participaram figuras como o deputado pastor Fabricio Alvarado e José Antonio Kast que, posteriormente, seriam os candidatos de direita em eleições acirradamente disputadas na Costa Rica (2018) e no Chile (2021). Em novembro a Citizengo mobilizou uma campanha digital vigorosa contra a presença de Judith Butler [filósofa] no Brasil que culminou com o protesto “ato da fé” em que a efígie da filósofa como bruxa foi queimada. No nosso estudo sobre políticas antigênero, eu e Isabela Kalil interpretamos esse evento hoje quase esquecido, como a antessala das eleições de 2018.
Pois bem, vejamos o que anda acontecendo nesse novo ciclo eleitoral. Ao longo de 2021, representantes do Vox estiveram em vários países latino-americanos para promover a Carta de Madrid, documento elaborado em 2020 como plataforma de aglutinação das forças de direita Ibero-americanas. A última visita foi ao Brasil, em dezembro, quando Santiago Abascal esteve com Bolsonaro. Em janeiro, aconteceu uma reunião dos partidos e governantes de direita em Madrid e, nessa ocasião, o Vox se posicionou como mediador entre a Europa e as Américas.
A viagem de Bolsonaro à Rússia foi anunciada no G-20, em outubro e é sempre bom lembrar que Putin trafega muito bem com vários dos atores reunidos em Madrid, como é o caso de Orbán e Marine Le Pen. Desde que Boris Johnson chegou ao poder, o Partido Conservador recebeu mais de 1,9 milhões de libras em doações russas.
E a passagem pela Hungria?
A passagem pela Hungria foi decidida posteriormente, segundo parece, por pressão dos setores mais ideológicos do bolsonarismo governamental. Muito significativamente, enquanto estávamos conversando sobre esse périplo, o Foro de Madrid estava reunido aqui ao lado, em Bogotá (Colômbia). O evento contou com a participação de Ernesto Araújo (ex-ministro das Relações Exteriores) e Eduardo Bolsonaro. E de outras figuras, como Javier Milei, a estrela ascendente do libertarianismo de direita na Argentina em novembro e um grupo importante de atores de direita chilena. A mensagem do anúncio do evento no YouTube reativa a fantasmagoria do Foro de São Paulo alegando que 2022 é um ano crucial para a Iberoesfera porque a potencial vitória de candidatos a ele associados é uma “ameaça a democracia”.
Ou seja, essa agitação transcontinental e rizomática que na superfície pode parecer desconexa tem objetivos eleitorais. Sem dúvida, a viagem de Bolsonaro a Rússia e Hungria tem como meta demonstrar seus compromissos ultraconservadores para o público interno. Passei os olhos nos comentários sobre os vídeos dos comunicados oficiais e disso se trata: atiçar o apreço do eleitorado cativo pelo candidato que prega em nome de Deus, Pátria e Família. Mas é fundamental também examinar esta cena por um outro ângulo: qual é a aposta e o interesse das forças, das quais eu estive falando, pelas eleições brasileiras?
Se pensarmos nos termos da teoria do dominó, típico da guerra fria, penso que não interessa a nenhuma delas “perder o Brasil” , que é tanto um modo estratégico de conexões quanto um “broker” crucial no âmbito das negociações intergovernamentais.
Assim sendo, é vital nos perguntarmos o que Bolsonaro e as direitas brasileiras estão buscando junto a essas forças, como parte de suas estratégias eleitorais, assim como descobrir como esses atores estatais e suas conexões não governamentais vão investir nas eleições brasileiras de 2022. Certamente haverá muito mais que um auto da fé antifeminista. Nesse sentido, é muito perspicaz a hipótese de Felipe Loureiro, professor da USP, compartilhada e debatida no Foro de Teresina, de que a agenda obscura da viagem à Rússia diz respeito a estratégias digitais destinadas a tumultuar processos eleitorais, nas quais os russos têm expertise comprovada. A presença do estrategista digital da família Bolsonaro na comitiva é um sintoma forte de que conversações off the records sobre esse tema quente teriam ocorrido em Moscou.
Essa é, sem dúvida, uma parte muito importante da equação. Não é a única. É preciso olhar com atenção para discernir qual seria a contribuição potencial das demais forças e atores que se movem nas tramas sobre as quais estivemos conversando para as eleições de 2022 no Brasil.
Fonte: Publica