A reportagem apurou junto a pessoas que acompanharam a videochamada que o coronel Cerqueira não havia sido convidado e não teve seu nome divulgado no texto publicado pela prefeitura após o encontro. Ao tomar a palavra, ele se apresentou como diretor da CNMI, fez algumas colocações sobre licenciamento ambiental de garimpos e a participação do ICMBio no processo. Ele confirmou à reportagem que participou da chamada.
A reunião teve como resultado a “elaboração de um plano de ação para regulamentar as atividades de garimpos na região, orientando os garimpeiros para os procedimentos e registro no órgão federal”. O informe divulgado no site da prefeitura de Jacareacanga sobre o encontro diz que o prefeito solicitou ao ICMBio “um modelo de ação para garantir a legalidade das atividades garimpeiras, na intenção de valorizar os garimpeiros”. “A Secretaria de Meio Ambiente e Turismo, busca validar as licenças, mas, deseja trabalhar em parceria com o Órgão Ambiental”, acrescenta.
No dia 17 de março, o ex-presidente do ICMBio esteve em Boa Vista numa audiência pública na Assembleia Legislativa de Roraima sobre a regularização e legalização da mineração no estado. Ela foi convocada pelo deputado estadual Renan Filho (Republicanos) e também contou com a presença do deputado federal Nicoletti (PSL/RR) e dos representantes de Itaituba, o vereador Wescley e o prefeito Valmir Climaco.
Ainda em fevereiro, outro evento em defesa do setor foi realizado na própria sede da Confederação Nacional de Mineração, em Brasília. Ele foi registrado em vídeo publicado no canal oficial da organização no Youtube, no dia 26.
Com aspecto de vídeo institucional, a imagem mostra um grupo de homens sentados no entorno de uma mesa oval. No centro, o ex-presidente do ICMBio desponta ajustando o terno. Ao redor da mesa estão ainda o sócio-fundador da COMIDEC (Cooperativa Mista de Desenvolvimento do Crepurizão), João da Delub, o advogado e proprietário do maior escritório de advocacia de Itaituba, Fernando Brandão, o empresário Roberto Katsuda, da BMG Máquinas — distribuidora autorizada da BMG Hyundai — o engenheiro ambiental Guilherme Aggens e novamente o “vereador dos garimpeiros” de Itaituba, Wescley Tomaz.
Em outra cena, o anfitrião e presidente da CNMI, Bruno Cezar Cecchini, aparece junto ao deputado federal Adriano do Baldy (PP-GO), pedindo para que ele falasse “alguma coisa”. “Obrigado pelo carinho que você nos recebe aqui. Parabenizar você pela coragem, pela determinação e desejar a você sucesso nessa nova empreitada. E me colocar à disposição para que nós possamos, lá no Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados, poder apresentar a regulamentação necessária para que esta importante instituição possa gerar emprego e renda e, é lógico, fazer um Brasil cada vez maior”, disse o parlamentar, que votou a favor da urgência do PL 191/2020.
Presidente da CNMI é investigado por suspeita de comércio ilegal de ouro
O presidente da CNMI, que anda circulando em Brasília com deputados, acompanhado do ex-presidente do ICMBio, é investigado pela Polícia Federal por comércio ilegal de ouro desde 2019 em um inquérito que já acumula cerca de 13 mil páginas.
No dia 10 de junho daquele ano, a PF recebeu uma denúncia anônima e armou uma operação ainda nas primeiras horas da manhã. A denúncia dizia que o avião monomotor azul e branco, prefixo PT-RIX, pousaria no Aeroporto Internacional de Goiânia com uma carga ilegal de ouro em seu interior.
Após a aeronave pousar, os agentes fizeram as buscas e encontraram a carga mencionada: aproximadamente 111 kg de ouro em barras escondidas sob os bancos da aeronave, o equivalente a aproximadamente R$ 18 milhões em valores da época. Essa apreensão foi o início de uma investigação da PF contra Bruno Cecchini, que já dura quase três anos O monomotor pertencia a uma de suas empresas, a RJR Minas Export Eireli.
Em relatórios policiais que constam em decisões da Justiça Federal, a Polícia Federal apontou que, apesar de não estar à época oficialmente no quadro societário, Bruno era o real proprietário da RJR. A conclusão foi tirada a partir de depoimentos colhidos com os sócios que estavam no quadro societário e outras diligências policiais. Segundo a PF, os sócios da RJR “apenas emprestaram seus nomes para constar no contrato social da empresa, ocultando o real proprietário que é Bruno Cezar Cecchini, o qual admitiu efetivamente administrar a empresa, constituída em 2017.”
A PF concluiu em seu relatório que o ouro apreendido no aeroporto de Goiânia foi extraído ilegalmente: a polícia não encontrou nenhuma atividade de extração na mina localizada em Colniza (MT), que foi apontada nas investigações como origem do ouro apreendido. Um funcionário ouvido pelos policiais relatou que trabalhava no local desde maio de 2019 e que nunca havia presenciado qualquer atividade de mineração ali.
A PF também analisou imagens de satélite datadas de maio de 2019 que apontaram que a atividade de mineração era “nula ou incipiente” e que não comportaria a extração, no período de um mês, dos 111 kg de ouro apreendidos. “O relatado acima comprova a falsidade ideológica das 17 (dezessete) Notas Fiscais apresentadas e juntadas aos autos para justificar a origem do ouro, pois no local indicado como origem do ouro ainda não está havendo qualquer extração de ouro”, afirma a Polícia Federal, referindo-se a notas fiscais apreendidas durante as buscas na aeronave. Os funcionários ouvidos pelos policiais afirmaram terem sido contratados por Bruno Cecchini.
A carga apreendida tinha como destino a Itália. A PF apura se o ouro apreendido era parte de um esquema de comércio ilegal do mineral extraído por empresas ligadas a Cecchini e outros empresários para a Europa. Procurado pela reportagem, o MPF (GO) afirmou que “há fortes indícios de que a empresa RJR Minas Export compra ouro ilícito, especialmente na região de Alta Floresta (MT), de diversas empresas e de outros garimpos ilícitos, e dá aparência de licitude ao ouro usurpado da União — afirmando que o ouro teria sido extraído na lavra de Colniza, que não existia na prática. A Polícia Federal indicou mais de dez pessoas jurídicas envolvidas na compra de ouro de garimpos ilegais.”
Procurada, a PF não retornou os pedidos de entrevista e não quis se manifestar formalmente. Em uma decisão proferida em um Habeas Corpus apresentado por Bruno Cecchini, o juiz federal Marllon Sousa fixou um prazo de seis meses a partir de 18 de janeiro de 2022 para o término das investigações.
Bruno Cecchini não respondeu aos contatos da reportagem. Já o coronel Homero Cerqueira afirmou que Cecchini “não tem nenhuma condenação transitado em julgado que possa desaboná-lo”. “Caso tenha sido condenado em três instâncias pela justiça brasileira, acredito que nem poderia fazer parte da CNMI”, defendeu, acrescentando ainda: “Dizer que a pessoa está ou esteve sendo investigada pela Polícia Federal não constitui qualquer dano à imagem”.
Fonte: Publica