Em 2018, informações nas redes sociais foram decisivas para uma parte do eleitorado brasileiro escolher em quem votar: segundo pesquisa do Instituto DataSenado, cerca de 45% dos entrevistados decidiram seu voto considerando o que viram em alguma rede. De acordo com o levantamento, 79% usaram o WhatsApp como uma de suas principais fontes de informação.
Agora, em 2022, acionados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), aplicativos de vídeo e mensagem esboçam estratégias para lidar com a desinformação nas suas plataformas. Contudo, segundo levantamento da Agência Pública, o plano apresentado ao tribunal consiste basicamente em criar canais oficiais com informações sobre as eleições e identificar perfis e postagens de candidatos.
Algumas plataformas, como o Telegram, não deixaram claro se tomarão medidas como banimento ou bloqueio de contas e perfis que compartilhem conteúdos falsos ou enganosos sobre o processo eleitoral.
O que as plataformas fizeram até o momento
A principal ação anunciada pelo WhatsApp é o ChatBot, um assistente virtual criado em 2020 que troca mensagens com eleitores — segundo a plataforma, foram 20 milhões de mensagens com quase 1 milhão de usuários durante o período eleitoral de 2020. Para 2022, o WhatsApp prometeu atualizações que devem permitir que os eleitores interajam com o TSE para receber informações sobre o processo eleitoral.
A Pública questionou a plataforma sobre se tomará alguma medida específica sobre conteúdo que questiona o resultado das urnas e se mais ações estavam programadas, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
Anteriormente, o aplicativo já havia respondido a críticas sobre desinformação na plataforma limitando o reencaminhamento de mensagens. Em 2019, o WhatsApp limitou o reencaminhamento de mensagens recebidas a até cinco contatos ao mesmo tempo, no máximo, além de identificar com um aviso mensagens encaminhadas com frequência . Em 2020, mensagens identificadas como altamente encaminhadas passaram a poder ser enviadas para apenas um contato por vez. Agora, em abril, a plataforma prometeu que mensagens já compartilhadas poderão ser reencaminhadas apenas para um contato ou grupo por vez.
Já o Telegram se comprometeu a apoiar e verificar um possível canal oficial do TSE, avisando os usuários, além de disponibilizar a API da plataforma caso o tribunal queira criar um bot com interações avançadas. O Telegram afirmou que conduzirá investigações internas para saber se canais denunciados violaram suas políticas e termos de uso. O acordo, contudo, não diz se conteúdos falsos e que questionem as eleições serão banidos ou terão alcance reduzido sem determinações da Justiça.
Até o final de maio, o Telegram se comprometeu a criar um canal para comunicações extrajudiciais, para que o TSE denuncie conteúdos relacionados ao processo eleitoral que transmitam desinformações graves. O acordo só foi selado porque o Telegram aceitou fazer parte do programa do TSE em maio, após ter recusado o primeiro convite. Em março, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou o bloqueio da plataforma em todo o Brasil. A decisão ocorreu após um pedido da Polícia Federal (PF) e o descumprimento de ordens judiciais.
O Telegram ainda não possui um canal de contato com a imprensa brasileira. O representante legal da empresa, instituído após exigência do STF, do escritório Campos Thomaz Advogados, respondeu à Pública que “não comenta os casos envolvendo os seus clientes, incluindo o Telegram”.
As redes sociais da Meta — o Facebook e o Instagram — prometeram aplicar um rótulo eleitoral em conteúdos compartilhados sobre as eleições, que direcionará os usuários para informações oficiais. O Facebook prometeu disponibilizar para o TSE a ferramenta Megafone, uma parte do feed de notícias na qual o tribunal poderá divulgar notícias.
O Facebook encaminhou para a Pública as iniciativas das plataformas da Meta sobre anúncios com temas sociais, o que inclui propaganda eleitoral. O material mostra que em 2020 se tornou obrigatório que os anúncios sobre política e eleições no site passem por um processo de autorização e apliquem um rótulo “Pago por” ou “Propaganda Eleitoral”. Segundo a plataforma, a regra é válida para qualquer anunciante que veicule anúncios que façam referências a figuras políticas, partidos ou eleição.
Já o Twitter prometeu protocolos para esclarecer sobre as eleições, com informações e mensagens fornecidas pelo TSE. A plataforma anunciou que irá colocar etiquetas de identificação de candidatos e candidatas para mostrar a qual cargo cada um está concorrendo. Se um usuário procurar informações sobre a eleição no Twitter, o site promete ativar um aviso de buscas, que direcionará para a página do TSE.
A Pública questionou o Twitter sobre qual ação irá tomar em relação a conteúdos que questionem o resultado das urnas. Em resposta, a plataforma disse que “com a Política de Integridade Cívica em vigor no Brasil durante o período eleitoral, o Twitter tomará medidas em relação a conteúdos com informações enganosas que possam prejudicar o andamento, incluindo conteúdos com afirmações falsas ou enganosas que prejudiquem a confiança no ato em si, como informações não verificadas sobre fraude eleitoral”. Segundo a plataforma, as consequências para violação da política dependem da gravidade e do tipo de violação, que incluiriam exclusão do tweet e bloqueio temporário da conta, modificações do perfil e bloqueio temporário, marcação (quando não excluem o tweet), bloqueio da conta e suspensão permanente.
Segundo reportagem do Aos Fatos, mais de um mês após o Twitter ter anunciado medidas contra a desinformação eleitoral, postagens com informações falsas sobre a votação permaneciam sem alertas ao usuário.
Em abril, o bilionário Elon Musk anunciou que estaria fechando um acordo de US$ 44 bilhões para a compra do Twitter e que tornaria a rede social em uma empresa de capital fechado. Recentemente, Musk disse que o acordo pode não andar, caso o Twitter não informe o número real de contas falsas na sua plataforma. Em evento do jornal Financial Times, o empresário declarou ser contrário ao banimento da conta do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, afirmando que reverteria a decisão que chamou de “moralmente ruim e tola ao extremo”.
Por sua vez, o Google prometeu ativar uma seleção editorial e dar destaque ao que chamou de “aplicativos com conteúdo cívico” na Google Play Store durante o período eleitoral — o que incluiria aplicativos do TSE. O Google afirmou que vai permitir que os usuários tenham acesso a fontes confiáveis acerca do processo eleitoral, citando as iniciativas do TSE como exemplo.
O YouTube, do grupo do Google, anunciou medidas contra vídeos ou canais que disseminam desinformação. A Pública entrou em contato com a plataforma, que disse que as Diretrizes de Comunidade da plataforma incluem recomendações claras e abertas ao público sobre conteúdo ligado a eleições — elas falam de conteúdo sensível, spam e práticas enganosas, conteúdo violento ou perigoso, produtos regulamentados e desinformação. O YouTube também afirmou que não serão permitidos conteúdos “que tenham o objetivo de enganar eleitores, veicular informações falsas sobre candidatos, ferir a integridade das eleições e incitar o público a impedir ou atrapalhar quem está tentando votar”.
O TikTok e o Kwai, aplicativos de mídia para criar e compartilhar vídeos curtos, usados principalmente por jovens, também divulgaram ações que prometem tomar nos próximos meses. Entre as principais, estão a criação de uma página de informações sobre as eleições de 2022, o apoio à transmissão ao vivo de eventos realizados pelo TSE, a realização de eventos que forneçam informações sobre as eleições e auxílio na divulgação de conteúdos de serviços ao eleitor.
Em comum, todas as plataformas se prontificaram a realizar treinamento para as equipes do TSE e dos Tribunais Regionais Federais (TRFs), cada uma focando nas suas ferramentas específicas.
Acordo do TSE com plataformas não prevê multa ou penalidade caso seja descumprido
Todos os acordos do TSE com as grandes plataformas de redes sociais são parte do Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação da Justiça Eleitoral, criado em 2019 pelo TSE, com foco inicial nas eleições de 2020. O programa tornou-se permanente em agosto de 2021. Os acordos foram firmados em fevereiro e vão até 31 de dezembro de 2022.
O memorando com as plataformas não implica compromissos financeiros ou transferências de recursos entre elas e o TSE. As empresas não serão responsabilizadas ou sofrerão sanções caso descumpram alguma das obrigações apresentadas.
Segundo Roberta Battisti, mestra em direito político e econômico e pesquisadora do Instituto Liberdade Digital (ILD), tornar o programa permanente, além de fazer a parceria com as plataformas digitais, foi um passo acertado do TSE. “O tribunal entendeu a importância de ter muitos estudos nesse sentido, de que a desinformação é um fenômeno global que não cabe em uma caixinha e não pode ser combatida por um único órgão, que precisava dessa abordagem mais multisetorial e multidisciplinar.”
Indagada sobre se a falta de responsabilização judicial poderia ser perigosa, a pesquisadora diz que o programa não tem força legal de convidar uma empresa privada a participar e aplicar multa caso ela não cumpra o acordo e que a evolução do relacionamento entre as partes cria um ecossistema de colaboração benéfica para ambas. “Eu particularmente acho delicado vincular alguma multa ou responsabilização pela não participação, mas dentro dos termos de acordos há coisas que eles combinam e não são vinculativas”, diz.
Um exemplo disso é o WhatsApp: o aplicativo, que teve um papel de destaque nas eleições de 2018, se prontificou a não fazer mudanças significativas em território brasileiro durante o período eleitoral. A plataforma anunciou as comunidades, função que iria aumentar o número de participantes por grupos, mas a novidade só está prevista para o Brasil depois de outubro. O presidente Jair Bolsonaro criticou a atitude, em abril deste ano, quando disse ser um absurdo o adiamento e fez ataques diretos ao TSE.
Para Samara Castro, advogada de direito eleitoral e coordenadora de comunicação da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), algumas organizações políticas do Brasil já possuem uma estrutura que simula as comunidades do WhatsApp, com milhares de grupos criados pela mesma organização transbordando mídias em diversas redes sociais. “Essa criação de grupos se dá quase como se fosse uma rede social fechada, as pessoas interagem e vão criando uma relação de confiança, o que faz com que todas as informações passadas ali sejam levadas mais em consideração do que as que são vistas em outros espaços”, explica.
A advogada diz que é um equívoco pensar que o disparo em massa é o maior problema da desinformação no Brasil, visto que são vários envios sobre um conteúdo só. Para Samara, a estrutura desses grupos e a forma pela qual eles ganham a confiança dos participantes é o mais perigoso, já que a constância de informações recebidas é o que muda a opinião das pessoas.
“Ainda que o WhatsApp proíba, a própria Justiça Eleitoral diz que você não pode ter disparo em massa se não tiver uma base consentida, ou seja, se você não tiver o consentimento das pessoas para estarem na sua base de dados. Se você tiver, pode fazer o disparo. Acaba criando uma circunstância de que não pode o disparo e, como consequência, aquelas pessoas que não têm essa estrutura formada não vão conseguir acessar os seus pares, e, para aqueles que possuem essa rede construída, isso não faz diferença nenhuma”, diz.
Sobre os acordos das redes com o TSE, Samara tem uma visão crítica. Para ela, as plataformas usam os acordos como uma relação pública e se descomprometem em vários pontos. Como exemplo, ela menciona o fato que o YouTube se comprometeu a não aceitar questionamentos sobre a integridade eleitoral e sobre as urnas, mas desde que esse questionamento seja sobre 2018, ignorando os outros anos eleitorais — sem citar 2022, por exemplo. “Isso significa que a gente tem uma limitação objetiva sobre o que eles vão se comprometer a fazer e a resolver. É uma situação muito delicada, tem pouca postura de resolução e muito mais postura de lavar as mãos.”
Redes sociais com pouco monitoramento geram migração de usuários
Recentemente, a plataforma canadense Rumble, criada em 2013, ganhou repercussão após o youtuber Monark divulgar que essa seria sua próxima estação de trabalho. O apresentador foi demitido do Flow Podcast, programa que comandava ao lado de Igor 3k no YouTube, após ter defendido que nazistas deveriam ter o direito de formar um partido no Brasil. Ao anunciar a mudança, Monark fez um comentário citando o Rumble como “uma plataforma que respeita a liberdade de expressão e não vai censurar ninguém”.
Para Roberta Battisti, existe um movimento de migração para plataformas menores com uma política de monitoração mais flexível, principalmente de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e da extrema direita brasileira. “Eu acho que são movimentos naturais, com a pauta da liberdade de expressão em alta: enquanto a direita diz que não pode moderar conteúdo, a esquerda já diz que precisamos ter mais controle desses espaços, e vira sempre esse cabo de guerra sobre o limite da liberdade de expressão”, completa.
Battisti cita a medida provisória (MP) assinada em 2021 pelo presidente Jair Bolsonaro como uma forma de tentar impedir que as plataformas façam moderação de conteúdo, visto que a medida altera o Marco Civil da Internet. Segundo a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), a MP reforça direitos e garantias dos usuários da rede e combate a “remoção arbitrária e imotivada de contas, perfis e conteúdos por provedores”.
A Trump Media and Technology Group (TMGT), empresa de mídia do ex-presidente americano Donald Trump, anunciou uma parceria com a Rumble no final de 2021 por “um amplo acordo de serviços de tecnologia e nuvem”. Como parte do acordo, a Rumble entregará vídeos e streaming para o Truth Social, o aplicativo de mídia social proposto por Trump.
A pesquisadora do ILD diz que o ambiente de plataformas com pouco monitoramento traz ao usuário a sensação de liberdade total. “As pessoas passaram a utilizar muito o Telegram, por exemplo, nessa percepção de que ‘eles não respondem à Justiça, então eu posso fazer o que eu quiser aqui’. Vimos uma migração muito grande também dos apoiadores do atual governo para o Telegram.”
A reportagem tentou contato com o TSE para saber como o tribunal está vendo o avanço de redes sociais com pouco monitoramento e com outras plataformas, mas não recebeu resposta até o momento da publicação.
Fonte: Publica