O atual secretário executivo de Defesa Civil do Recife, Cassio Sinomar Queiroz de Santana, é réu em processo iniciado em 2017 que apura desvios de recursos para vítimas de enchentes em Pernambuco. A Operação Torrentes, deflagrada em 2017, investiga fraudes com recursos federais, oriundos do extinto Ministério da Integração Nacional (atual Ministério do Desenvolvimento Regional), que deveriam ter sido destinados à compra de colchões, filtros de barro e outros produtos para atender vítimas das enchentes que atingiram o estado em 2010. Na época, mais de 80 mil pessoas ficaram desabrigadas e pelo menos 20 morreram.
Cassio Sinomar também é coronel do Corpo de Bombeiros. À frente da Defesa Civil no Recife, ele é o atual responsável pelos atendimentos das vítimas dos recentes deslizamentos e enxurradas que já deixaram mais de 100 mortos na Região Metropolitana da cidade e seis mil desabrigados em todo o estado. O secretário responde a duas ações penais em andamento, no âmbito da Operação Torrentes, que foi deflagrada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Controladoria da União em 2017. Segundo a denúncia, o esquema de fraudes envolvia a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros e empresários. Até agora, os prejuízos aos cofres públicos ultrapassam R$ 30 milhões.
Uma das denúncias contra ele investiga compras de filtros de barro com sobrepreço. Outra aponta fraudes em contratos de serviços de transporte fluvial para municípios onde as enxurradas deixaram a população dependendo de barcos para se locomover. O processo do MPF cita que a empresa contratada irregularmente teria sido a FJW DA CUNHA FILHO ALIMENTOS LTDA. inicialmente nomeada JS COMÉRCIO. A execução do serviço era terceirizada com pagamento menor, “desviando-se o remanescente”, diz o processo.
“Em um dos processos em que Cássio é réu, o juiz negou o pedido de absolvição sumária [quando se reconhece inocência do réu antes do fim das investigações], porque entendeu que existia justa razão para que o processo continue”, explicou o procurador da República, do MPF em Pernambuco, João Paulo Holanda.
Quando as enchentes de 2010 aconteceram, Cassio Sinomar era coordenador da Defesa Civil do estado e estava lotado na Casa Militar. Ele ficou no cargo de 2011 até setembro de 2014, durante o governo de Eduardo Campos (PSB), morto em acidente aéreo. Em 2014, foi nomeado secretário executivo da Defesa Civil da prefeitura do Recife, durante a gestão do ex-prefeito Geraldo Júlio (PSB) e mantido no cargo pelo atual prefeito, o filho do ex-governador Eduardo Campos, João Campos (PSB), que assumiu no ano passado.
“Não existe impedimento jurídico para que ele exerça o cargo atual. Agora, é de se avaliar a prudência de colocar alguém que é investigado por conduta criminosa em uma função que tem o poder de gerir despesas. Existem outros réus da Operação Torrentes que foram impedidos de gerir contratos públicos”, disse o procurador da República, do MPF em Pernambuco, João Paulo Holanda.
Tragédias que se repetem
A Mata Sul de Pernambuco foi a região mais atingida pelas cheias de 2010. Na época, 67 municípios foram afetados pelas enchentes. Deslizamentos e enxurradas são desastres que ocorreram de forma cíclica em Pernambuco, sem que o poder público desenvolva soluções efetivas para prevenção. Ocorrências de tragédias como essa devem se tornar cada vez mais frequentes, considerando que Recife é a 16º cidade do mundo mais vulnerável às mudanças climáticas.
A tragédia causada pelas fortes chuvas desde o último dia 25 é a maior que o estado já viveu. Até a publicação desta reportagem, 106 mortes tinham sido anunciadas e 10 pessoas continuavam desaparecidas. A Central de Operações da Coordenadoria da Defesa Civil contabiliza mais de seis mil pessoas desabrigadas. O número de mortes ultrapassou as vítimas da histórica cheia do Recife em 1975, que deixou mais de 80% do território da cidade submerso, quando 104 pessoas morreram.
Mesmo sendo alertada pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), que emitiu um boletim geo-hidrológico sobre o risco alto de chuvas intensas e deslizamentos na Região Metropolitana da cidade, no dia 25, a Prefeitura do Recife demorou dois dias para acionar o plano de contingência para essas situações. O plano só foi acionado no dia 27, depois que a Apac (Agência Pernambucana de Águas e Clima) emitiu um comunicado sobre chuvas intensas.
De acordo com José Marengo, coordenador do Cemaden, quando o órgão federal emite um alerta, a “Defesa Civil em Brasília é acionada”. “O Cemaden não interage diretamente com as defesas civis municipais, mas sim através da secretaria central em Brasília, no ministério do Desenvolvimento Regional”.
No mesmo dia 27, o secretário Cássio Sinomar gravou um vídeo, postado no Facebook da Prefeitura do Recife, informando sobre as fortes chuvas. A prefeitura informou que enviou alertas via SMS para 32 mil famílias residentes em áreas de risco, mas muitos moradores de locais atingidos pelos desastres dizem que não receberam as mensagens. “Nem todo mundo tem celular. Quando chove, muita gente fica sem internet, sem área”, diz Levi Costa, presidente da associação de moradores de Três Carneiros, no bairro do Ibura, localizado em uma área de morros e ladeiras da capital. A associação está funcionando como um ponto de apoio para a comunidade. “Não tem trabalhador suficiente da Defesa Civil aqui. Na verdade quem está trabalhando é a comunidade que está dando as mãos. Gente que perdeu casa, família, mas mesmo assim está ajudando. A Defesa Civil e a prefeitura do Recife só aparecem quando acontece uma fatalidade para dizer que estão trabalhando”.
A capital, Recife, decretou situação de emergência, assim como os municípios de Olinda, Jaboatão dos Guararapes, São José da Coroa Grande, Moreno, Nazaré da Mata, Macaparana, Cabo de Santo Agostinho, São Vicente Ferrer, Paudalho, Paulista, Goiana, Timbaúba, Camaragibe, São Lourenço da Mata, Abreu e Lima, Araçoiaba, Igarassu, Aliança, Glória do Goitá, Vicência, Bom Jardim, Limoeiro e Passira.
A reportagem tentou contato com Cassio Sinomar, mas ele negou o pedido de entrevista. A reportagem não conseguiu contato com a FJW Alimentos.
A prefeitura do Recife não respondeu até a publicação desta reportagem.
Fonte: Publica