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conflitos no campo

A primeira vítima da Funai no Javari sob o governo Bolsonaro

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“Ele era odiado pelos pescadores do Rio Ituí, do Curuçá, fez ações nessa terra indígena todinha. Era um cara bem conhecido na região. Deu muito prejuízo para os pescadores ilegais”, diz outro servidor, também ouvido sob anonimato. Max era famoso por andar sempre com um fardamento da Funai, uma roupa em tons terrosos que lembra uniformes de forças policiais ou das Forças Armadas.

A mesma fonte conta que um pescador da região, que frequentemente pescava em área indígena, chegou a fazer um boletim de ocorrência contra ele por conta de uma ação de fiscalização. “Ele tava muito injuriado na base uma vez comigo que ele tinha recebido uma intimação”, relata. O pescador alegou que Max teria sido duro no trato com o pai dele. Consultadas pela Pública, nenhuma das fontes atribuiu episódio de agressão física a Maxciel.

Perguntado se a morte do indigenista estaria relacionada a essas ações de fiscalização, Almério Alves Vadique, o “Kel”, integrante do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), ex-servidor da Funai, e a amigo de Max é taxativo: “Com certeza. Porque já tinham falado na rua aqui que iam matar ele”, relata.  A irritação dos pescadores com Maxciel, e mesmo com Bruno Pereira deve-se, em parte, à destruição de equipamentos em áreas protegidas, uma reclamação comum de infratores ambientais contra servidores da área socioambiental.  A viúva de Max também acredita na relação entre sua morte e o trabalho de fiscalização e cita um episódio específico. “Uma vez a gente estava comendo em um restaurante em Benjamin [Constant, município vizinho a Atalaia do Norte]. Ele virou pra mim e disse: ‘Nega, bora sair daqui porque aquele cara ali tá me olhando’”, relembra Maria. O “cara”, segundo ela, seria um dos alvos de uma ação de fiscalização realizada por Maxciel.

Uma dessas operações, coordenada pela Polícia Federal, chegou a ser relacionada diretamente com o assassinato por fontes próximas ao indigenista. Max morreu três dias antes de ela ser realizada, mas ele havia participado de todo o planejamento das ações junto com Bruno Pereira. Trata-se da Operação Korubo, focada no combate ao garimpo ilegal no rio Jutaí entre os dias 9 e 13 de setembro de 2019, quando 60 agentes da PF, Funai e Ibama afundaram dezenas de balsas. A operação teve participação decisiva de Pereira.

“Bruno foi quem articulou a Operação Korubo, foi o principal responsável. Foi a operação mais bem sucedida da Polícia Federal de combate ao garimpo. A gente utilizou uma metodologia nova, de satélite, a gente não fez o sobrevoo como em outras operações, chegamos com força total porque já estava mais ou menos plotado pelo Bruno”, afirmou um delegado ligado à operação que não quis se identificar. 

Apesar das datas próximas entre a ação da PF e o assassinato de Maxciel, “Kel” não acredita que esse possa ter sido o estopim de sua morte. “Essa operação não foi na área indígena aqui no Vale do Javari, foi em outra área”, diz o ex-servidor. 

Greve na Funai

Ontem, os servidores da Funai aprovaram “estado de greve por 24 horas”, exigindo uma retratação do presidente do órgão, Marcelo Augusto Xavier da Silva, que acusou Bruno Pereira e Dom Phillips, desaparecidos desde domingo (5) de entrarem em área indígena sem autorização. Os servidores também reivindicam o envio de forças de segurança para as bases de proteção do Vale do Javari e para as sedes das coordenadorias regionais da Funai.

Em Atalaia do Norte, Max foi lembrado em diversas falas dos indígenas no ato desta segunda-feira. “O presidente da Funai quer tirar o dele da reta, dizendo que a CR [Coordenadoria Regional] do Vale do Javari está sendo protegida. Não está sendo protegida!”, bradou Silvana Marubo, líder das mulheres artesãs do povo Marubo durante a coletiva dos indígenas na sede da Univaja (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari). “Se tivesse sendo protegida não teria acontecido o que aconteceu com Maxciel e depois agora com o Bruno”, disse. 

No último dia 10 de junho, uma nota da Uniind (União Independente de Indigenistas de Grupos Isolados e de Recente Contato) também lembrou o caso de Maxciel. “Todas as equipes das FPE’s [Frentes de Proteção Etnoambiental] atuam visando coibir ilícitos na Amazônia Legal e proteger o direito constitucional de isolamento voluntário dos últimos grupos que assim decidiram permanecer”, diz o documento. “No Javari, somente na última década, aconteceram diversos ataques à base e aos servidores em retaliação a apreensões e fiscalizações, inclusive resultando na morte do Maxciel dos Santos em 2019, crime que nunca teve solução”, continua. 

O documento cita outros casos de conflitos envolvendo indigenistas que trabalhavam em contato com grupos isolados ou de recente contato. Um dos casos citados é o de José Milamar da Silva, conhecido como “Valdez”, que trabalhava com os Yanomami Ye’Kwana em Roraima. O corpo de Valdez foi encontrado carbonizado em seu carro no município de Bonfim (RR). 

“Tanto a vivência profissional quanto pessoal dos trabalhadores desses locais acabam por se misturar, diante do fato dos servidores atuarem e residirem na mesma localidade dos infratores apreendidos que, devido a questões jurídicas, acabam por serem libertados rapidamente, ainda que detidos em flagrante delito. Portanto, é comum os servidores se depararem com invasores ou seus associados em padarias, supermercados e afins”, diz o documento. 

A Uniind reivindica, entre outros quinze pontos, a atribuição de poder de polícia aos servidores das FPEs, a renovação e ampliação dos quadros nestas unidades e a reestruturação nas bases das FPEs. Segundo a entidade, há uma defasagem de 90% no quantitativo de indigenistas da Funai dedicados ao trabalho com grupos indígenas isolados ou de recente contato.

Procurada pela reportagem, a PF do Amazonas não retornou aos pedidos de informação da reportagem sobre o inquérito que apura a morte do indigenista. Os funcionários da Funai ouvidos pela reportagem também disseram não ter informações sobre os trabalhos policiais. O processo corre na Justiça sob sigilo.

Fonte: Publica

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