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Eucalipto que garante CO2 neutro da Aperam Bioenergia seria responsável por secar reservas

Emissão de fumassa durante a produção de carvão vegetal (1)

A Aperam South America se apresenta como a primeira empresa de aço do mundo com balanço neutro de carbono. É reconhecida internacionalmente por suas ações de ESG (Environmental, Social, and Corporate Governance, na sigla em inglês) como uma das empresas mais sustentáveis do Brasil. Em seu site oficial, demonstra orgulho das ações tomadas para controlar a pegada de carbono, sendo a principal delas utilizar carvão vegetal como fonte de energia limpa e renovável. 

Mas, de acordo com o relatório “Projeto Salvaguardas Socioambientais Reduzindo os Impactos da Monocultura de Eucalipto”, ao qual a Agência Pública teve acesso com exclusividade, as suas plantações de eucalipto seriam umas das grandes responsáveis pela escassez hídrica no norte de Minas Gerais. O eucalipto é utilizado principalmente para produzir carvão para a siderúrgica Aperam BioEnergia.

Elaborado pelo Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV) em conjunto com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e o Guia dos Bancos Responsáveis e parceria com equipes de pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG), da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), do Instituto Federal do Leste de Minas Gerais (IFLMG) e do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais (IFSMG), o relatório aponta que o que a empresa apresenta como uma prática ecológica de reflorestamento e compensação da pegada de emissões de gases do efeito estufa seria uma ameaça ao ecossistema local. 

Segundo o estudo, nos últimos 45 anos as monoculturas de eucalipto que a Aperam ajudou a implementar na região teriam sido responsáveis pela redução de 4,5 metros no lençol freático na região, levando a secas constantes e a falta de água. A empresa, de acordo com o relatório, é acusada pelos moradores de estabelecer “milícias” para impedir a população de coletar os restos de galhos de eucaliptos e de circular pelas estradas que ligam as comunidades rurais à sede dos municípios. 

Plantação de eucalipto
A plantação de eucalipto da empresa, que é utilizada para produzir carvão, é a principal responsável pela escassez hídrica no norte de MG

Moradores citados no estudo relatam que seguranças armados passaram a invadir os quintais e os acusar de coletar gravetos deixados pela siderúrgica após o corte das árvores. “Eu já fui preso duas vezes. Por causa de quê? Por causa de restos que eles largavam na área. Aí, […] a gente catava isso, né? Questão de sobrevivência. E eles [a Aperam] mandaram a viatura aqui e me pegaram em frente a minha mulher e meus meninos. E isso não foi só comigo, quase todo mundo aqui tem esse problema”, relatou um morador no documento.

Um morador ouvido pela reportagem que preferiu não se identificar conta que já presenciou seguranças da empresa ameaçando pessoas da comunidade. “Várias pessoas já sofreram ameaças, vi muita gente ser presa por coletar esse resíduo [restos de eucalipto]”. Ele também relata ter visto seguranças atirando para cima para assustar moradores. Procurada, a Aperam não retornou até a publicação desta reportagem.

De acordo com relatório, o eucalipto tem uma evapotranspiração muito maior que as matas nativas do Cerrado, bioma em que a região está localizada. Enquanto cada metro quadrado de mata nativa tem taxa de evapotranspiração de cerca de 2,5 litros de água por dia (e que pode chegar a 1,5 litro por dia em períodos de seca), o metro quadrado de eucalipto possui uma taxa de 6 litros de água por dia.

As chapadas com vegetação nativa têm um aproveitamento médio de 50% da água da chuva para abastecer o lençol freático. Já os monocultivos de eucaliptos aproveitam apenas 29% da água da chuva para o abastecimento. O motivo é o consumo elevado de água dos eucaliptos, que têm alta necessidade hídrica em qualquer estação do ano, ainda mais quando plantados em situação de monocultivo, como as plantações da Aperam.

Enquanto isso, a população local sofre com a falta de acesso à água em função da escassez do recurso: não há mais água limpa nos poços e é preciso recorrer às cisternas. Segundo cálculo dos pesquisadores, a região teve uma redução média de 10 centímetros por ano no lençol freático. Ao se considerarem os 45 anos de monocultivo de eucalipto no Alto Jequitinhonha, de 1974 a 2019, totaliza-se uma redução de 4,5 metros no lençol freático. 

“[A Aperam] desmatou o Cerrado, plantou eucalipto, desrespeitando as ordens. Plantou até nas bordas das cabeceiras das veredas. Isso trouxe um grande impacto para nós. Hoje nós vivemos encurralados aqui embaixo na grota”, diz um morador ouvido pela Pública.

Mais da metade das famílias locais (52%) vivem situação de consumo restrito de água, com 43 litros diários. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo doméstico mínimo necessário é de 110 litros diários por habitante. A média diária de consumo de água no Brasil é de 150 litros por habitante. Em Minas, a média é de 159 litros.

Fachada do prédio da Aperam Bioenergia em Timóteo, Minas Gerais.
A Aperam anuncia novos investimentos no estado, mas nada menciona sobre ajuda a moradores locais afetados pelas plantações de eucalipto

Concentração fundiária

Multinacional listada em diversas bolsas de valores, a Aperam tem unidades industriais em Minas Gerais, na França e na Bélgica e registrou lucro líquido de 175 milhões de euros em 2020 (cerca de R$ 969 milhões com a cotação atual).

Sua atuação em Minas Gerais começou na década de 1970, quando um conjunto de empresas, entre elas a Acesita, como era chamada a Aperam, recebeu incentivos fiscais públicos, propostos pelo governo de Minas Gerais e pelo governo militar, para implantar grandes monoculturas de eucalipto no Alto Jequitinhonha — região considerada “ociosa” pelo governo. Nesse processo, terras familiares e de uso comum de muitas comunidades rurais foram expropriadas. 

A Aperam usava a justificativa do usucapião para adquirir as propriedades. Os moradores ouvidos pelo estudo, no entanto, afirmam que houve uma invasão ilegal das terras: as famílias sempre moraram no espaço e nunca assinaram documento de venda ou cessão de terras para a empresa. Os agricultores hoje buscam na Justiça o reconhecimento do direito de permanecer nas terras. Mais de 40% dos processos que envolvem o grupo econômico são de disputas por terra, segundo dados do relatório. Os processos discutem posse de terra, propriedade, divisão, demarcação, produção e desapropriação.

“A concentração de terras nas mãos da empresa ocasionou mudanças profundas na estrutura fundiária, visto que muitas famílias rurais passaram a trabalhar em uma área proporcionalmente menor. Atrelada a essa concentração de terras está a mecanização, que faz com que a quantidade de emprego gerado seja restrita”, diz o texto ao ressaltar que a Aperam chega a dominar até 20% da área de alguns municípios da região. 

Imagem aérea do Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais.
Terras do Vale do Jequitinhonha são propriedade da Aperam há mais de 45 anos

Recentemente a empresa anunciou que pretende investir R$ 588 milhões em suas operações no estado. A principal parte do investimento será destinada a uma planta na cidade de Timóteo. Em entrevista ao jornal mineiro O Tempo, o presidente da Aperam South America, Frederico Ayres Lima, ressaltou a sustentabilidade da operação e a meta de carbono neutro, mas não fez nenhuma menção aos moradores afetados pelas plantações de eucalipto da empresa.  

“É uma empresa que chegou e levou 30 anos pra poder enxergar que tem comunidades nativas do lugar. Assim mesmo porque a gente fez muitas reuniões e começou a buscar [direitos]”. “[A Aperamempresa] não conversou com ninguém. Chegou com autoridade e invasão”, afirmou uma moradora da região. “A gente está nesse prejuízo porque água para nós é vida. Se eles têm um lugar onde morar, o nosso lugar nativo é aqui, é aqui que a gente recebe tudo. E nós não temos pra onde ir. Como é que a gente vai [sobreviver]? Eles têm que pensar: aqui é lugar de fazer dinheiro. Mas eles estão fazendo dinheiro em cima de uma comunidade, de um povo nativo.”

Fonte: Publica

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