Portal de Notícias Administrável desenvolvido por Hotfix

desastres ambientais

Mães de baixa renda e chefes de família são mais afetadas por desastres ambientais


A engenheira sanitarista e ambiental Waleska Queiroz, de 28 anos, trabalha há mais de 10 anos em projetos socioambientais. Assim como muitos de seus vizinhos, ela foi remanejada de sua casa na Avenida Perimetral, próxima à Universidade Federal do Pará, para que a via fosse duplicada. Sua família e muitas outras foram realocadas em um conjunto de prédios de habitação social próximo à margem do rio Tucunduba. 

Lá ela se sente frequentemente ameaçada: “A minha grande preocupação morando próximo ao [rio] Tucunduba é que vai haver um momento com toda essa questão de mudança do clima, mudança no índice pluviométrico, com chuvas mais fortes, mais intensas, que vai chegar um momento em que esse rio não vai suportar essa carga. Até porque a drenagem do local já está toda impermeabilizada, então não tem por onde a água escoar. E aí conciliado à questão dos resíduos, que estão ali entupindo vias e tudo mais, esse processo fica ainda mais significativo.”

Parte da Rede Jandyras, grupo de mulheres que pautam a questão climática em busca da construção de políticas públicas mais efetivas na capital, ela ressalta o papel do racismo ambiental na sua realidade. “Quando eu falo disso, quando eu falo desse ambiente não saudável e concilio com a pauta climática, eu entendo que eu estou sofrendo um processo de racismo ambiental. Eu sofri desde o momento em que eu saí do meu território, [em] que eu construí a minha história, a minha identidade. Me tiraram dali à força, sem entender a minha história, e me colocaram em um ambiente que está totalmente degradado”, conta Waleska.

Rio Tucunduba. Do lado direito, onde estão as palafitas, fica o bairro da Terra Firme e o Residencial Liberdade. Do lado esquerdo está um residencial construído pela Caixa na beira do rio

Recife

Já em Recife o estudo mapeia 677 áreas de risco, que ocupam 8% do território da cidade e, assim como em Belém, abrigam uma quantidade bem maior de pessoas – 16,3% da população da capital (251 mil pessoas).

Das 102.392 moradias localizadas em favelas mapeadas pela pesquisa, 65% estão em encostas e 12% em margens de rios, lagos ou córregos.

Enchentes na periferia de Recife em maio de 2022

Cerca de 55% da população da cidade é negra. Nas áreas com risco de inundação a taxa sobe para 59%, e onde há risco de deslizamento o valor sobe para 68% de pessoas negras.

Enquanto na cidade 19,7% das moradias são chefiadas por mulheres que ganham até um salário mínimo, o valor aumenta para 22,1% nas áreas com risco de inundação e para 26,8% nas áreas com risco de deslizamento.

A renda média familiar nas regiões com risco de inundação é de R$2,1 mil — valor que desce para R$1,1 mil nas regiões com risco de deslizamento. A média da cidade é de R$2,7 mil.

Segundo o relatório, os riscos ambientais de Recife “estão vinculados tanto a perigos hidrológicos, de inundação dos rios, quanto a perigos geológicos, de deslizamentos de terra em áreas de maior declividade”. 

Ediclea Santos, moradora de Recife e integrante da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco

No atual cenário de emergência climática, o aumento do nível dos mares é um processo que afeta principalmente cidades costeiras — é o caso da capital pernambucana. “Seus impactos podem ter proporções ainda inestimáveis, mas certamente ameaçam ainda mais as populações atualmente expostas a riscos hidrológicos e cujo grau de resiliência é muito limitado”, informa o relatório.

Edicleia Santos mora há 24 anos na comunidade de Passarinho, que fica na periferia de Recife. Ativista, participa da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, onde denuncia a falta de políticas públicas na sua comunidade. 

Viu as transformações da natureza que o bairro sofreu: o verde foi se extinguindo e o rio também. “A gente tinha um rio maravilhoso, no final de semana o pessoal ia pra beira do rio, tomava banho, a água [era] limpíssima. A mata era linda e maravilhosa, e hoje a gente não tem mais. O rio foi-se embora”, relata. Sem a mata nativa, o solo fica mais frágil e mais propenso a sofrer desastres como enchentes e deslizamentos. 

Ela conhece famílias que tiveram perdas com as chuvas de maio: “[Com] a chuva de maio quase que Passarinho foi parar embaixo d’água”, diz. O rio que existia na região foi transformado em uma vala quando a prefeitura implementou o saneamento básico, e hoje se tornou praticamente uma fossa.

“Quando a chuva vem, vem e inunda a maioria das casas que estão na beira do rio. E esse ano foi a pior chuva que teve, porque inundou uma grande parte da comunidade e muita gente perdeu tudo. Foi um caos, a água chegou no teto das casas”, relata a moradora. 

São Paulo

São Paulo, por sua vez, possui 1314 áreas com risco de desastres ambientais. São áreas que ocupam 17,3 milhões de m², o equivalente a 1,2% do território da cidade, e envolvem 370 mil pessoas, 3,3% da população.

Dos 355.756 domicílios localizados em favelas, 38% se encontram em encostas e 25% em margens de rios, lagos ou córregos. Na cidade, 8,4% das famílias são chefiadas por mulheres com renda de até um salário mínimo — valor que sobe para 12,6% nas áreas de risco.

A média do rendimento das famílias que vivem em áreas de riscos ambientais é de R$1,6 mil, enquanto a média da cidade é consideravelmente maior: R$3,5 mil.

Amanda Costa, de 25 anos, é ativista climática, formada em Relações Internacionais, e fundadora do Instituto Perifa Sustentável, que luta pela justiça climática a partir de educação socioambiental.

Moradora da Brasilândia, bairro periférico da capital, explica que a população passa por situações de desastres climáticos com frequência: “Sempre que chove. Já aconteceu de eu ficar presa no ônibus, esperando a água baixar. Já aconteceu de, quando chove muito, cair a energia e só voltar depois de um dia.” 

Ela lembra que, quando era criança, havia infiltração na sua antiga casa, e toda a cozinha ficava alagada. “Eu lembro de uma visão, minha mãe tirando todas as comidas do armário, chorando porque perdeu muita coisa. Estar na periferia é conviver diariamente com esses desafios.” 

Amanda Costa, moradora de São Paulo e fundadora do Instituto Perifa Sustentável

Segundo Amanda, a origem do racismo ambiental está na política. “Passa por todo esse contexto histórico, social, ambiental e econômico, que vai afetando principalmente os grupos mais vulnerabilizados”. A vulnerabilidade social, segundo ela, não é ocasião do destino. “Foi feito um projeto político para que uma galera ocupasse o poder, um grupo que tem os recursos que detém as tomadas de decisão, que decide esses ambientes políticos, que não representa a massa populacional”.

“Não restam dúvidas de que a injustiça socioambiental e o racismo ambiental também se manifestam através do próprio planejamento urbano, cuja má distribuição de infraestruturas de serviços básicos é definidora das desigualdades estruturantes e vulnerabilidades aos eventos climáticos”, afirma o estudo. “A privação do acesso à água potável, a ausência de esgotamento sanitário, assim como as ocorrências de inundações, alagamentos e deslizamentos, também colaboraram com a reprodução das desigualdades urbanas, sociais e raciais nas cidades”.

Para Amanda, as dificuldades da luta popular em relação ao próprio território ocorrem em razão da falta de representatividade, “esse contexto social, histórico, que nos afastou de lugares de protagonismo, de liderança, de visibilidade, de comunicação”.

Ela destaca: “A transformação é coletiva”, e conta que somente com um grupo de pessoas mobilizadas e engajadas atuando no coletivo é que haverá mudança e justiça social.

Publica

Português Desastres Ambientais Desigualdade Social Racismo Ambiental Socioambiental

Assine o Portal!

Receba as principais notícias em primeira mão assim que elas forem postadas!

Assinar Grátis!

Assine o Portal!

Receba as principais notícias em primeira mão assim que elas forem postadas!

Assinar Grátis!