Por volta das 7h30, os tratores do agronegócio estacionados desde terça-feira no Ministério da Justiça começaram a se posicionar para entrar no desfile do Bicentenário da Independência, em Brasília. A postos nos veículos, os operadores vestiam a camisa do Movimento Brasil Verde e Amarelo, que trazia a palavra “liberdade” nas mangas, adotada frequentemente nos discursos golpistas de Jair Bolsonaro. Do outro lado da avenida, chegavam os blindados das Forças Armadas, que de forma inédita dividiram o protagonismo do desfile cívico militar.
A Agência Pública identificou quem são os proprietários de 24 dos 28 veículos que participaram do evento. A lista contém nomes de grandes empresários de implementos e maquinários agrícolas, produtores rurais e representantes de sindicatos regionais do agro. Segundo relataram à reportagem, os donos investiram de R$ 4 mil a R$ 15 mil para garantir a presença de suas colheitadeiras e tratores no desfile, tornado um ato em apoio à campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), como narrado ontem (7) pela Pública.
Entre as máquinas do agro que percorreram os 5 km entre a Esplanada dos Ministérios e o estádio Mané Garrincha, onde a comitiva se desfez, estava a do gaúcho João Antônio Franciosi. Dono do grupo Franciosi, que compra e vende latifúndios e cultiva algodão e soja em larga escala no oeste da Bahia, ele já esteve envolvido em um escândalo de grilagem e venda de sentenças naquela mesma região – episódio mais conhecido como operação Faroeste.
Fazendeiro com atuação histórica na principal fronteira da soja no Brasil, no Cerrado do Matopiba, Franciosi também já foi multado em R$1,6 milhão por desmatamento ilegal pelo Ibama (Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis), como mostra um levantamento do observatório De Olho nos Ruralistas. O ruralista destacou dois de seus funcionários do município de Luís Eduardo Magalhães (BA) para pilotarem seu trator no desfile do Bicentenário da Independência.
Um dos fundadores do Movimento Brasil Verde e Amarelo, o produtor rural Júlio Nunes, afirmou à reportagem que a participação oficial do agro no Bicentenário foi articulada diretamente com as Forças Armadas.
A Pública apurou com outros envolvidos na organização que também ocorreram reuniões com o mesmo intuito na Secretaria de Comunicação Social, comandada pelo ministro Fábio Faria (PP). Tudo isso após o pacto com o presidente da República. De acordo com Nunes, foram os produtores que pediram a Bolsonaro para integrar a comemoração.
O movimento Brasil Verde e Amarelo é fiel ao mandatário desde o início de seu governo e esteve à frente de manifestações pelo voto impresso e contra o Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo dos últimos anos. Eles ainda organizaram caravanas para levar pessoas ao Bicentenário da Independência e financiaram o carro de som utilizado como palanque para a campanha de Jair Bolsonaro após o desfile.
O principal líder do movimento é o presidente licenciado da Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja), Antônio Galvan, investigado por atos antidemocráticos pelo Supremo Tribunal Federal. Ele disputa uma vaga no Senado pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) de Roberto Jefferson, no Mato Grosso. Conforme mostrou a Pública em reportagem publicada ontem, o ruralista já obteve vantagens do governo Bolsonaro para produtores de soja.
Galvan negou envolvimento nas tratativas para viabilizar a ida dos tratores a Brasília, mas participou do evento de ontem, segundo ele, a convite do presidente.
Apesar de tudo isso, Júlio Nunes nega o cunho político do Brasil Verde e Amarelo. “Não é movimento político, nem partidário, nem militante, nós não somos da rua, somos da roça, gostamos de mostrar nosso patriotismo dessa forma”, afirmou em conversa com a reportagem dias antes do desfile.
Fato é que os donos das máquinas agrícolas que passaram ontem pela Esplanada dos Ministérios são apoiadores do presidente.
Quarto maior doador para a campanha de Bolsonaro até o fechamento deste texto, o diretor-presidente da Stara, Gilson Lari Trennepohl, pediu à concessionária Elo Fortes, de Formosa e Unaí, que enviasse dois tratores da marca para o desfile, segundo relataram os operadores das máquinas. Vice-prefeito de Não-Me-Toque (RS), Trennepohl (DEM) reuniu-se com Bolsonaro em sua cidade, em maio passado, conforme divulgado por uma rádio local – também ligada ao dono da Stara.
O agronegócio goiano fechado com Bolsonaro
“Em todos os outros governos nós nunca estivemos aqui para comemorar, sempre para reivindicar questão de juros, de dívidas e tal, e nesse governo, felizmente, já é a quarta vez que nós viemos aqui para comemorar, para participar dos eventos que têm em Brasília”, afirmou o produtor rural Vanderlei Secco, que usava um boné de apoio a Bolsonaro. Ele levou dois tratores de Rio Verde (GO) para a marcha, ao custo de R$ 15 mil, conforme contou. A Carpal, representante em Goiás da marca New Holland, do trator de Secco, aproveitou a vitrine do desfile para fazer marketing em suas redes sociais.
Distante em mais de 400 km da capital federal, Rio Verde é o 2º município mais rico do agronegócio no estado e está na lista dos dez mais ricos do país, segundo a Faeg (Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás). Cinco veículos que desfilaram vieram de lá.
O presidente do Sindicato Rural de Rio Verde, Luciano Jayme Guimarães, foi o abre-alas do agro no Bicentenário da Independência, dirigindo um trator amarelo, apelidado de “onça”. A máquina pertence a Secco. Também de Rio Verde, o presidente da Aprosoja em Goiás, Adriano Barzotto, saiu logo na segunda fileira do desfile. Ele é dono do Grupo Segredo, que atua no sudoeste goiano com o cultivo de soja e milho.
Conforme apurado pela Pública, a maioria das colheitadeiras e tratores perfilados na Esplanada dos Ministérios veio de Goiás. Estavam representantes de Cabeceiras, Catalão, Jataí, Luziânia e Planaltina, além de Rio Verde – todos municípios goianos. O ruralista Victor Priori enviou três máquinas, de Jataí, conforme relataram os operadores que dirigiram as máquinas. Ele é presidente do Grupo Paraíso, que controla empresas de armazenamento de grãos, nutrição animal, revenda de máquinas agrícolas e tem fazendas em várias regiões
No bloco do agro, também desfilaram os presidentes dos sindicatos rurais de Catalão, Renato Ribeiro, e Cabeceiras, Jacó Isidoro Rotta, dirigindo empolgados e sorridentes em meio aos acenos dos milhares de espectadores que gritavam “Agro, agro”.
Perguntado sobre a origem do convite para o desfile, Rotta disse que “o agro recebeu convite das Forças Armadas e [o agro] apoia o presidente Bolsonaro, que é uma pessoa honesta, séria”.
Segundo a Receita Federal, Jacó Rotta é sócio de duas empresas avaliadas, juntas, em mais de R$2,5 milhões. Ambas as companhias estão na ativa e foram criadas em 2010, em menos de dois meses, e curiosamente ficam no mesmo endereço. Tudo leva a crer que os registros referem-se a uma única fazenda, à altura do km 11 da rodovia GO-346, na zona rural de Cabeceiras.
Dono de trator no desfile comprou terras griladas no oeste da Bahia
Os tratores que percorreram mais chão para participar do desfile em homenagem ao Bicentenário vieram de Luís Eduardo Magalhães, no extremo oeste da Bahia, a mais de 500 km da capital federal. Segundo o funcionário enviado pela Agro Walker, do ruralista Luiz Walker, foram horas de viagem que custaram cerca de R$ 15 mil.
Plotada com a bandeira do Brasil, a máquina de João Antônio Franciosi também partiu do oeste baiano. Famoso por seus títulos no Rally dos Sertões, ele é um dos mais influentes empresários na região graças aos agronegócios de sua família.
O grupo Franciosi cultiva algodão e soja em uma área de mais de 70 mil hectares na Bahia e no Piauí, concentrados principalmente em Luís Eduardo Magalhães (BA). Graças a isso, o apoiador de Bolsonaro já recebeu benefícios fiscais do governo federal para seus negócios – pouco mais de R$1,2 milhões, de acordo com o portal da Transparência.
Mas a área sob controle de “Tonho” – seu apelido na Bahia – Franciosi poderia ser ainda maior se não fosse pelo escândalo da operação Faroeste.
Em 2013, de acordo com a investigação da Procuradoria-Geral da República, ele teria fechado um acordo para a compra de mais de 22 mil hectares de terras em Formosa do Rio Preto (BA), município vizinho a Luís Eduardo Magalhães.
O problema é que a área adquirida pertencia a José Valter Dias, peça-chave em um esquema bilionário de grilagem de mais de 366 mil hectares no município. Parte desta imensa área engloba territórios de comunidades tradicionais do Cerrado, como geraizeiros, povos de fundo e fecho de pasto.
O esquema criminoso envolveu até mesmo venda de sentenças favoráveis aos grileiros pela cúpula do Tribunal de Justiça da Bahia.
Por meio de nota, o grupo Franciosi já qualificou esta compra de terras – anulada conforme o desenrolar da operação Faroeste – como “legal, proba e límpida”. Tonho Franciosi entrou com três pedidos de liberação da área, dividida em cinco fazendas, junto ao Supremo Tribunal Federal. Todos foram negados pelo ministro Ricardo Lewandowski.
A Pública entrou em contato com o grupo Franciosi para confirmar o envio de funcionários e um trator para o desfile em Brasília, além de perguntar o status da multa aplicada pelo Ibama contra Tonho Franciosi e a situação envolvendo a possível compra de terras griladas de acordo com a operação Faroeste. Não houve retorno até o fechamento do texto.
Fonte: Publica