Em 2011, quando era deputado federal pelo PP, Jair Bolsonaro procurou o jornalista e editor da Playboy Jardel Sebba Filho para pedir que a revista excluísse uma declaração que ele havia feito à revista, mas que ainda não havia sido publicada. O pedido foi atendido e a entrevista do deputado circulou sem a fala, na qual ele teria dito que “chegou a pensar em sugerir um aborto” à sua segunda esposa, Ana Cristina Valle, então grávida de Jair Renan, que nasceu em 1998.
A revelação sobre o pedido de Bolsonaro ao editor da Playboy, onze anos depois, partiu do próprio então editor da revista masculina e autor da entrevista com o deputado. A entrevista de Sebba Filho foi divulgada na manhã desta segunda-feira (10) no blog “Goiás 24 horas”, do jornalista goiano e escritor Cristiano Silva. A entrevista de Bolsonaro foi publicada pela Playboy em sete páginas da edição de junho de 2011 e não há qualquer menção ao tema do aborto.
Sebba Filho, que também trabalhou nas revistas Sexy e VIP, deu as declarações em vídeo ao blog goiano no dia 7 de setembro, portanto antes do resultado do primeiro turno das eleições que levou Bolsonaro ao segundo turno. No vídeo, ele disse que em 2011 fez três sessões gravadas em áudio com Bolsonaro. Uma no gabinete do seu filho, Carlos, no prédio da Câmara dos Vereadores no Rio de Janeiro, e outras duas no gabinete do deputado em Brasília. As sessões duraram ao todo cerca de sete horas, segundo a Playboy divulgou na época.
A declaração sobre o aborto, segundo Sebba, ocorreu na segunda sessão das entrevistas. “Ele disse que chegou a pensar em sugerir um aborto para essa mãe do Jair Renan”, disse Sebba. “Ele falou isso na entrevista?”, indagou Silva. “Falou, isso nunca foi publicado, você vai entender por quê.”
Na mesma segunda sessão da entrevista, segundo Sebba, Bolsonaro também falou sobre o que faria com um pediatra que, naquela época, havia sido preso sob acusação de pedofilia. “[Bolsonaro disse que] levava para uma casa, e pendurava, cortava a unha, pegava um cigarro. Era um manual de tortura, um manual de tortura.”
Na manhã seguinte, ao retornar ao gabinete de Bolsonaro, Sebba disse que primeiro um assessor do deputado o abordou. “Tem uma coisa que eu preciso muito que você tire da entrevista”, teria dito o assessor. Sebba disse que “a gente sempre atendia as pessoas, não tinha problema com isso, porque às vezes o cara [entrevistado] tem o direito de se arrepender”, às vezes “sobre um termo que usou e se arrependeu”.
Sebba a princípio entendeu que o assessor estava falando sobre a parte da tortura, e não do aborto. “Eu falei, ‘ó, eu vou conversar com o deputado e se ele fizer questão, a gente tira, mas eu não vou tirar porque você está me pedindo, eu vou tirar porque ele vai me pedir’. Entrei na sala dele e ele [Bolsonaro] falou assim: ‘Pois é, acho que o Fulano já te falou, a gente precisa tirar um negócio’. Aí eu falei: ‘Tudo bem, o senhor quer tirar aquela parte que o senhor descreve a tortura?’ [Bolsonaro]; ‘Nããão, se você quiser eu te conto mais. Eu quero tirar a história do aborto’.”
“Tirou?”, indagou Cristiano a Sebba. “Tirei. Tirei, e tô contando pela primeira vez aqui, não sei nem se deveria”, respondeu o ex-editor da Playboy.
“Qual a esperteza dele, o que que ia pegar mal com a turma dele? Falar que pediu para alguém fazer aborto, pela questão da religiosidade. Torturar alguém que abusou de uma criança, só ia fazer bem para ele, e a gente tá vendo esse modus operandi há quatro anos no Brasil”, disse o jornalista.
Segundo Sebba, depois que acabaram as sessões da entrevista, Bolsonaro “ficou ligando [telefonando] várias vezes”. “Eu acho que ele estava com medo de alguma coisa que ele disse. Depois que saiu a entrevista, ele relaxou um pouco. A única coisa que poderia ser uma pegadinha é que ele deixa a entender que tinha uma arma no Congresso Nacional, e isso é proibido.”
De acordo com Sebba, a parte da tortura também foi reduzida na versão final, “o que saiu na revista foi um terço do que ele tinha dito”. Segundo Cristiano Silva disse à Agência Pública, Sebba Filho comentou que “tem como comprovar” o que disse na entrevista a respeito da frase de Bolsonaro sobre o aborto.
Caso Bolsonaro tenha de fato dito à Playboy que “chegou a pensar em sugerir um aborto”, a declaração remete a outra entrevista concedida pelo presidente e divulgada pela revista IstoÉ no ano 2000. Dois anos depois do nascimento de Jair Renan, Bolsonaro foi indagado sobre o aborto e respondeu que “tem que ser uma decisão do casal”.
A jornalista então quis saber se ele tinha passado por alguma situação que exigisse essa definição, e Bolsonaro respondeu: “Já. Passei para a companheira. E a decisão dela foi de manter. Está ali, ó”. E apontou para uma fotografia de Jair Renan.
Na entrevista ao blog Goiás 24 horas, Sebba Filho contou que a entrevista de Bolsonaro foi precedida de um debate entre os jornalistas da Playboy, que se perguntaram se “devemos ou não dar dez páginas para um maluco desses?”.
A decisão foi por fazer e publicar a entrevista, mas tinha que ser “uma entrevista dura com esse cara”.
“Naquele momento tinha que entender também o personagem, que era uma pessoa do baixo clero e estava querendo se projetar. Então qualquer coisa que perguntasse para ele, ele ia levar na boa porque ele queria muito aquela exposição. Ele precisava daquela exposição. Essa exposição de alguma forma ajudou ele a ser presidente. Aí a gente vai entrar numa outra discussão, que não sei se te interessa, que é ‘devemos ou não jogar luz nos cantos escuros da vida?’ Eu acho que devemos, eu acho que iluminado fica tudo sempre melhor. ‘Ah, mas aí a gente está apoiando um fascista que vai fazer…‘. Na escuridão é sempre pior. Joga luz, se as pessoas vão concordar com ele, o problema é das pessoas, o problema é da falta de formação das pessoas. E eu fui um dos que defendeu entrevistá-lo, apesar de saber que ia ser difícil”, explicou Sebba Filho ao blog goiano.
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