A Pública apurou com fontes da campanha que tanto Rosângela quanto Sérgio Moro teriam sido informados sobre a situação da falta de pagamento de fornecedores. Moro teria dito que todos seriam pagos e que os atrasos seriam apenas “gestão de fluxo na reta final” de campanha.
Procurada pela reportagem, Rosângela Moro não quis comentar.
Outra situação que chama atenção ocorreu num evento de campanha de Rosângela na semana que antecedeu o primeiro turno. Um almoço em uma churrascaria no Brás, bairro de São Paulo, não teria sido informado à justiça eleitoral até o momento.
No perfil oficial da candidata no Instagram, um “convite especial para os amigos do Brás”, trazia um chamado que foi apagado posteriormente: “participe deste encontro especial e conheça as propostas de Rosangela Moro para o Estado de São Paulo”. A mensagem nas redes, como demonstra o print original obtido pela Pública, diz: “É amanhã! Conto com a sua presença, às 12h30, no Brás!. Almoçaremos na Churrascaria Nova Grill e conversaremos sobre propostas e soluções para SP”.
A mensagem também teria sido enviada em alguns grupos de WhatsApp pela campanha da candidata. Mas seu conteúdo não deixa claro uma exigência da legislação eleitoral, a de que o almoço não poderia ser pago pela campanha. A preocupação fica clara em outro print, esse de um grupo privado de WhatsApp intitulado ‘Núcleo Rosângela Moro’, onde parte da equipe de campanha comenta a situação na quarta-feira, 28 de setembro, véspera do evento.
Na troca de mensagens, alguém informa: “Pessoal Boa Tarde! Já fui questionado por diversas pessoas se será a campanha que irá pagar o almoço já que está convidando. Só lembrando que seria crime eleitoral a campanha pagar o almoço e é muito simples alguém entrar lá e falar que almoçou é alguém da campanha que pagou. Acredito que deve-se arrumar o texto informando que a candidata irá almoçar lá e não convidando as pessoas para um almoço. E não foi 1 ou 2 pessoas que me questionaram. Foram várias”.
A resposta ao questionamento veio em tom lacônico: “Arquivei o convite” — o que explicaria a postagem ter sumido do Instagram no mesmo dia 28 de setembro. Quem fez o alerta reitera: “Acredito ser bom fazer uma tratativa do convite e encaminhar pois várias pessoas repassaram”.
Nas redes sociais de Rosângela essa correção não foi realizada. A Pública esteve no local e confirmou a realização do almoço mas não foi possível entrar no espaço reservado ao fundo do salão principal da churrascaria.
No mesmo dia 29 de setembro, à noite, um vídeo do evento foi postado no Instagram da candidata. Assim como o convite postado e apagado no dia 28 de setembro, o vídeo também foi retirado do ar no dia 30 de setembro. A Pública, no entanto, registrou a postagem e fez o download do conteúdo.
No texto da mensagem onde o vídeo é divulgado, a candidata diz: “Hoje, tivemos um almoço muito especial, em uma churrascaria no Brás. Conversamos sobre os impactos no setor do comércio e pude entender mais sobre as necessidades da categoria. Quero lutar pelo Brasil e pelos comerciantes, como deputada federal por SP. Vem Comigo! Vote 4400”. Vídeo publicado e depois apagado pela então candidata
No vídeo, enquanto o jingle de campanha toca, imagens da candidata são exibidas confraternizando durante o almoço. Estão presentes, aproximadamente, 30 pessoas. É possível identificar, a certa altura do vídeo, a colagem de adesivo de campanha em um dos presentes.
Procurada pela reportagem, Rosângela Moro não quis comentar.
A Pública apurou que a conta do almoço não teria sido paga individualmente por cada participante do evento como prevê a legislação eleitoral. O empresário Antoine Daher, foi citado por fontes consultadas pela reportagem como a pessoa responsável por pagar a conta. Daher aparece ao lado de Rosângela durante o almoço na churrascaria Nova Grill. Procurado, o empresário não confirmou a informação. Ele disse: “agradeço o contato mas não gosto de opinar em coisas políticas. Estive junto a pedido da Rosângela por ter amizade familiar”.
Conhecido como Toni, o empresário líbano-brasileiro fundou a Casa Hunter, que atende adultos e crianças com a condição MPS ou Síndrome de Hunter, provocada pela deficiência de uma enzima nos lisossomos — o tema é uma das bandeiras da campanha da agora deputada federal.
E foi também graças a Casa Hunter e ao empresário Antoine Daher que Rosângela provou ao TRE-SP seu domicílio eleitoral quando houve questionamento sobre o pedido para ser candidata por São Paulo. Assim como o marido, Rosângela transferiu seu domicílio eleitoral de Curitiba para a capital paulista. O pedido de domicílio eleitoral de Sérgio Moro foi rejeitado.
Já o pedido de Rosângela, foi aprovado pelo TRE-SP após dois pedidos de impugnação: uma do advogado Washington Rodrigues de Oliveira e outra do deputado federal Alexandre Padilha (PT), reeleito no dia 3 de outubro.
Os autores das impugnações alegavam que Rosângela não mantém vínculo residencial, afetivo, familiar, profissional, comunitário ou de qualquer outra natureza com o estado de São Paulo. Isso porque seu escritório se localiza em Curitiba e sua inscrição da OAB está vinculada ao Paraná.
O TRE entendeu que Rosângela comprovou vínculos profissionais com a cidade, pois presta serviços advocatícios há mais de cinco anos para uma entidade com sede em São Paulo — no caso, a entidade é a Casa Hunter de Antoine Daher.
Procurada pela reportagem, Rosângela Moro não quis comentar.
Durante a realização das campanhas eleitorais, os candidatos em busca de votos devem seguir o previsto no Código Eleitoral. Os descuidos com a legislação por parte dos postulantes pode levar a penalidades, como pagamento de multa, cassação da candidatura e até prisão.
No caso de Rosângela, a situação foi descrita sem revelar o nome da candidata a dois especialistas em legislação eleitoral, que, por isso, pediram para não terem seus nomes divulgados. Uma das especialistas explica que a situação descrita na reportagem é irregular: “Se é um evento de arrecadação você precisa cobrar da pessoa individualmente. E não parece ser um evento de arrecadação. Portanto, se investigado e comprovado pode até ser configurado como compra de votos e abuso do poder econômico”, avalia.
O segundo especialista explica que “não é lícito de forma nenhuma que você tenha o pagamento de um almoço por quem quer que seja. Pela campanha, seja por empresário, seja por uma empresa. Sem dúvida é ilegal. O problema é tentar entender que ilegalidade é essa”, diz.
Segundo ele, se a pessoa que eventualmente pagou estava fazendo uma despesa em prol de uma campanha sem fazer a doação para campanha, a candidatura incorreu em uma realização irregular de despesas. “A candidatura deveria ter seguido o rito de registro do evento perante a Justiça Eleitoral e teria que explicar o que seria o evento, com data, formato etc e lançar a despesa em até 72h. Cada uma das pessoas teria que pagar o seu almoço para descaracterizar a possível compra de voto”, finaliza.
A campanha de Rosângela nas redes sociais foi realizada pela Social Qi (SQi), uma agência focada no gerenciamento de crises, campanhas políticas e monitoramento de redes para entes públicos e privados, a mesma envolvida no escândalo da máquina oculta de propaganda do iFood, que veio à tona em reportagem da Pública em abril deste ano.
Apesar dos materiais internos da campanha obtidos pela reportagem estarem em nome da SQi, o CNPJ da empresa não aparece nas despesas da candidata apresentadas ao TSE. Oficialmente, o monitoramento digital registrado na Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais de Rosângela Moro está em nome de um sócio da SQi — contrato em nome de RS Aeron Soluções em Comunicação LTDA e outro contrato em nome de Rugde Comunicação Eireli. Os dois contratos para criação de conteúdos para redes sociais e monitoramento digital de redes com relatórios de performance somam mais de R$ 351 mil reais.
Atualmente, a SQi é investigada pelo MPF e MPT e já foi convocada a depor na CPI dos Aplicativos em São Paulo devido a denúncia da Pública.
Procurada, a SQi não deu retorno até a publicação. O espaço segue aberto para esclarecimentos.
Fonte: Publica