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Sem Bolsonaro e respeitando acordos, desmatamento pode cair 89% e emissões de carbono, 73%

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Uma das marcas do governo de Jair Bolsonaro tem sido o descaso com o meio ambiente, com a desregularização da legislação ambiental, recordes nos níveis de desmatamento e o aumento da emissão de CO2. A boiada, porém, ainda está passando e, se não for impedida, tende a aumentar.

A Agência Pública conversou com cientistas responsáveis por duas modelagens matemáticas que estimam o que pode acontecer com as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e com o desmatamento na Amazônia caso a política ambiental atual continue a mesma — cenário esperado diante de uma possível reeleição de Bolsonaro. As modelagens estimam também o que aconteceria se a legislação ambiental for reforçada ou, pelo menos, posta em prática, cenário esperado com uma mudança na governança ambiental.

O primeiro estudo foi realizado pelo Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças Climáticas da Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e calcula quatro diferentes cenários para as emissões de GEEs. Duas modelagens calculam possíveis variações para um cenário de manutenção da política atual e outras para um futuro próximo em que se adotem práticas de regulamentação ambiental. Na pior das hipóteses, a emissão de GEEs pode aumentar 66% em dez anos. Já no melhor dos cenários, pode haver redução de 73% nas emissões no mesmo período.

A outra modelagem foi feita pela Universidade de Oxford e projeta dois cenários de desmatamento, tendo como parâmetro o cumprimento ou não do Código Florestal, principal legislação brasileira para o uso de terras. Caso as políticas se mantenham, até 2030 pode haver redução de 27% no nível de desmatamento. Se a legislação ambiental for implementada, até 2030 o desmatamento pode cair 89%.

Nenhum dos estudos calcula os cenários com a eleição de Jair Bolsonaro ou de Luiz Inácio Lula da Silva. O que acontece nessas projeções é que elas se baseiam em dados passados para calcular cenários futuros a partir das tendências encontradas.

Aumento das emissões de GEEs

Os principais gases de efeito estufa são o dióxido de carbono (CO2), metano e óxido nitroso. Esses gases absorvem e emitem energia que causa o aquecimento da Terra. Parte desses GEEs é lançada na atmosfera naturalmente, mas a ação humana provocou um aumento elevado dessas emissões, o que leva ao aquecimento global e, consequentemente, às mudanças climáticas.

O estudo da UFRJ foi feito com base na emissão de CO2 equivalente, fazendo-se uma conversão dos outros gases para a medida de CO2. De acordo com a pesquisa, em 2005 houve a emissão, no Brasil, de 2,6 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, valor que caiu para a metade em 2010, atingindo 1,3 bilhão. A partir daí, as emissões aumentaram 38% e chegaram a 1,8 bilhão de toneladas em 2020.

Caso as políticas do atual governo se mantenham ao longo da década, o que se projeta é que em 2025 a emissão de GEEs no Brasil atinja 2,2 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, um aumento de 22% em relação a 2020. Em 2030, o valor pode chegar a 2,4 bilhões (aumento de 33% em dez anos) ou 3 bilhões (aumento de 66%).

“Isso está muito acima da meta estabelecida pelo Brasil no Acordo de Paris”, em 2015, destaca o cientista Emilio Lebre La Rovere, coordenador geral do projeto. A meta estabelecida pelo país nas Contribuições Nacionalmente Determinadas [NDC] de 2015 é atingir 1,6 bilhão de toneladas de CO2 equivalente até 2015 e 1,3 bilhão até 2030.

Não reduzir as emissões de GEEs e, assim, não atingir as metas pode levar o Brasil tanto a receber sanções econômicas e comerciais quanto a ficar marginalizado internacionalmente, explica La Rovere.

Mas existe um cenário positivo que pode ser alcançado caso o Brasil volte a cumprir a legislação ambiental. Dois pontos são fundamentais para que haja uma redução significativa nas emissões de GEEs.

O primeiro é reduzir ao máximo o desmatamento ilegal nos biomas, chegando-se ao desmatamento zero até 2050. Como a floresta é a principal responsável por absorver o CO2 da atmosfera, com a sua retirada não há absorção do excesso de carbono.

“O governo [atual] faz o oposto”, diz La Rovere ao lembrar o aumento do desmatamento ilegal nos últimos quatro anos.

O segundo ponto é a precificação do carbono, estabelecendo-se para as empresas cotas de emissão anual de CO2 e também uma “taxa de carbono” sobre as emissões do uso de combustíveis fósseis nos demais setores da economia. Seria uma maneira de o Estado controlar as emissões e evitar que, em nível nacional, o limite seja ultrapassado.

Em maio, o governo chegou a publicar um decreto com as bases para a criação de um mercado de carbono no Brasil. Contudo, diversos pontos permanecem em aberto, principalmente em relação aos prazos e à obrigação de setores reduzirem suas emissões, e o país segue sem um mercado regulado.

Caso esses dois pontos sejam postos em prática, existe a possibilidade de um futuro sustentável: no primeiro cenário, as emissões de CO2 equivalente no Brasil cairiam para 1,4 bilhão de toneladas em 2025, redução de 23% em comparação com 2020, e para 1 bilhão de toneladas em 2030, 45% a menos que em 2020.

Em um contexto ainda mais otimista, esses números poderiam descer para 1,1 bilhão em 2025, 39% a menos que 2020, e 500 milhões em 2030, redução de 73% em relação a dez anos atrás.

La Rovere acredita que esses índices podem ser alcançados em um eventual governo Lula, e é só ter o passado como base: entre 2002 e 2010, o governo reduziu o desmatamento da Amazônia Legal em 70%. Ao mesmo tempo, houve também crescimento econômico.

O coordenador da pesquisa acredita que o Brasil “tem um potencial enorme” para atingir esse caminho, já que possui os recursos naturais necessários para um futuro de desenvolvimento sustentável. “O Brasil precisa de uma política de Estado, e não de governo, com planejamento a longo prazo para ter essa estabilidade.”.

Se isso não for atingido, porém, podemos perder os nossos biomas. A Amazônia, por exemplo, já teve 17% da sua cobertura original desmatada. Essa área pode chegar a 23% em 2030, o que configuraria um ponto de não retorno — ou seja, o bioma não conseguiria retornar ao estado anterior e poderia virar uma savana. O ponto de não retorno é atingido quando o desmatamento de uma cobertura florestal se encontra entre 20% e 25%. E esse risco será real se o Bolsonaro for reeleito.

Desmatamento da Amazônia

O modelo matemático da Universidade de Oxford, feito em conjunto com o International Institute for Applied System Analysis (IIASA) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), utilizou o Código Florestal, principal legislação brasileira para controle e uso da terra dentro de propriedades privadas, como critério para projetar como poderá ficar o desmatamento da Amazônia nos próximos anos: em um cenário, o Código continuaria a ser descumprido; no outro, a legislação seria aplicada.

“O modelo [traz] um cenário de referência que tenta capturar a fraca governança ambiental e um em que o Código Florestal é implementado. Com base no que aconteceu no passado, espera-se isso ou aquilo de cada candidato. Agora o que eles vão fazer daqui por diante é outra história”, explica Aline Soterroni, pesquisadora que liderou o estudo.

Em 2019, o desmatamento anual da Amazônia atingiu o maior número desde 2009, com 10.129 km². Em 2020, o desmatamento foi de 10.851 km², 7% maior que no ano anterior, e, em 2021, de 13.038 km², um aumento de 28% em dois anos. De acordo com o cálculo, se a política de não controle da legislação ambiental se mantiver na próxima década, de 2022 a 2025 haverá uma média de 11.660 km² de desmatamento anual da Amazônia (11% menor que o índice de 2021), caindo para uma média de 9,520 km² anuais de 2026 a 2030 (redução de 27% em comparação com 2021).

Embora o gráfico mostre o índice anual de desmatamento até 2021, a pesquisa considerou a soma de cinco anos, metodologia mais adequada para fazer o cálculo, segundo Soterroni. No período entre 2016 e 2021, o desmatamento total da Amazônia foi de 43.356 km². Entre 2021 e 2025, o total esperado é de cerca de 58.300 km², um aumento de 34%. E entre 2026 e 2030, espera-se um total de 47.600 km² desmatados na Amazônia, 9% maior que o total entre 2016 e 2021.

Neste modelo, o desmatamento é resultado da demanda por commodities, ou seja, a demanda pelo uso da terra: vegetação nativa que seria convertida em monoculturas, pastos ou rebanhos. A queda no desmatamento é explicada pela queda na demanda futura por terras. “A demanda continua crescendo, mas cresce menos e isso influencia o desmatamento no modelo”, explica a pesquisadora.

Parte dessa expansão agrícola vai à custa de vegetação nativa, não só da Amazônia, que é calculada no estudo, mas também de outros biomas, como Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica.

Novamente, há esperança. Caso o Código Florestal seja cumprido, calcula-se que, de 2022 a 2025, a média anual de desmatamento da Amazônia pode cair para 2.720 km², redução de 80% em comparação com 2021. Esse valor pode cair ainda mais entre 2026 e 2030, atingindo 1.480 km². Seria uma redução em 89% em relação ao desmatamento de 2021.

“Se implementar o Código Florestal, tem a possibilidade, sim, de cair o desmatamento na Amazônia”, explica Aline. “A gente sabe que a maior parte do desmatamento na Amazônia hoje é ilegal. Então, se uma lei que combate desmatamento ilegal é implementada, tem grandes chances de diminuir isso.”

Com a permanência do descaso ambiental, o próprio agronegócio será afetado. Não só por conta das sanções internacionais, mas também porque, com o avanço do desmatamento, todo o clima será afetado, gerando mudanças na temperatura local e no regime de chuvas. “É mais um indício para dizer que, se o agronegócio está apoiando políticas de desregulamentação ambiental, isso é um tiro no próprio pé, a médio e longo prazo”, completa Aline.

“A gente tem razões para acreditar que é possível implementar o Código Florestal. Não vai ser fácil, sobretudo porque estamos numa recuperação econômica, tem um crime organizado estabelecido na região. As condições hoje para controle do desmatamento são diferentes de 2004, mas, ao mesmo tempo, nós temos uma grande capacidade, ferramentas que nós não tínhamos em 2004 e que foram desenvolvidas ao longo do tempo. É possível combater o desmatamento, falta vontade política”, diz a pesquisadora.

Fonte: Publica

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