Logo após as eleições de 2018, o PSL, então partido de Jair Bolsonaro (PL) enfrentou um escândalo que ficou conhecido como “o laranjal do PSL” e envolveu o então ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que ainda aguarda julgamento do caso pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O caso envolveu o diretório de Minas Gerais, que teria usado candidaturas laranjas para o desvio de verba pública de financiamento eleitoral.
Quatro anos depois, o PL, novo partido do presidente, pode ter utilizado novamente candidaturas laranjas. A Agência Pública identificou ao menos 41 candidatos com poucos votos, que receberam recursos, mas fizeram pouca ou nenhuma campanha nas redes sociais, o que pode indicar que se tratam de candidaturas falsas. Deles, 36 receberam dinheiro público e dois renunciaram durante a campanha.
Dos 41, 31 são mulheres (75,6%). O dado se choca com o número geral de candidatos apresentados pelo PL para as eleições de 2022: apenas 32% de todos os candidatos a deputado se declararam como do gênero feminino, contra 68% do masculino.
Ao menos 14 disseminaram informações consideradas falsas, como revelou a Pública em outra matéria.
Ruins de votos, boas em doações
A candidatura de Rosirene Messias (PL-TO) é um caso peculiar. Ela se candidatou a deputada estadual pelo Tocantins e recebeu cerca de R$150 mil do PL — mas teve apenas 119 votos. Isso representa uma média de R$1,2 mil por voto, o segundo mais caro pelo partido de Bolsonaro, entre os menos votados do PL nos estados. O cálculo divide o valor total de recursos recebidos pela candidata pelo número de votos que ela obteve.
Até então, a candidata já explicou os gastos de aproximadamente R$81 mil com cessão ou locação de veículos, atividades de militância e despesas com pessoal. Nas redes, ela fez pouca campanha. Publicou apenas três posts no Facebook e um no Instagram com seu número. A reportagem entrou em contato com Rosirene através do Facebook, mas não obteve resposta.
Mél (PL-RO) se candidatou a deputada estadual por Rondônia e contou com financiamento do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, também conhecido como Fundo Eleitoral. Dividindo o que recebeu pela votação, cada um de seus 33 votos custou R$ 515 aos cofres públicos — ela recebeu ao todo R$ 17 mil, mas ainda não explicou como usou o dinheiro.
A candidata também não fez nenhum post com seu número no perfil do Facebook que declarou ao TSE e a reportagem não encontrou contas no Instagram e Twitter. A Pública tentou contato com Mél pelo Facebook, mas não teve resposta.
A falta de esforço na busca por votos em plena campanha eleitoral é um indício que pode caracterizar uma candidatura laranja. Essas candidaturas podem servir para maquiar o cumprimento de leis — como a que determina que 30% das candidaturas nas eleições proporcionais sejam do gênero feminino — ou para desviar dinheiro para outros nomes considerados pelo partido como mais competitivos.
Talita Canal (PL-RR), que concorreu como deputada federal por Roraima, é outro nome que obteve votação irrisória e recebeu verba pública para campanha. Ela se descreve como uma “empresária do agronegócio” e faz posts que demonstram apoio ao atual presidente. Ela protocolou uma petição de renúncia à candidatura na Justiça Eleitoral poucos dias antes da eleição. A renúncia foi homologada apenas depois do dia da votação.
A campanha da candidata recebeu R$ 200 mil do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, mais conhecido como Fundo Partidário, e já declarou ter gasto R$ 155 mil ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O fundo partidário foi sua maior fonte de financiamento, representando 98% da receita declarada.
Talita teve apenas 11 votos nas urnas, o que levou à média de receita por voto mais cara do levantamento: R$ 18 mil.
Nas redes que a reportagem teve acesso, a candidata não fez campanha. Não fez nenhum post citando o seu número ou pedindo votos no Facebook e seu Instagram é privado — essas foram as duas contas que registrou na Justiça Eleitoral ao apresentar sua candidatura. A reportagem também não encontrou conta no Twitter e nem outros perfis em seu nome.
Ainda assim, ela declarou gasto de R$ 7 mil para “criação e inclusão de páginas na internet”, número que ainda pode aumentar, já que ela precisa explicar como usou cerca de R$ 44 mil até 1º de novembro, data limite para a apresentação da prestação de contas da campanha.
A candidata também disse ter gasto R$ 53,5 mil com serviços advocatícios, R$ 47,9 mil com atividades diversas a serem especificadas, R$ 38,6 mil com adesivos e mais R$ 6 mil com atividades de militância e mobilização de rua. Na internet, entretanto, não registrou fotos ou vídeos de campanha na rua.
A reportagem entrou em contato com Talita pelo Facebook, única rede social da candidata que permite enviar mensagens, mas não obteve retorno.
Laranjeira
Os 41 candidatos que fizeram pouca ou nenhuma campanha receberam ao todo R$ 1,3 milhão de dinheiro público: R$ 793 mil via fundo eleitoral e R$ 509 mil do partidário.
Entre os nomes com pouca ou nenhuma campanha, a média de receita recebida por voto é R$ 637. Três candidatas tiveram a média igual ou superior a R$ 1 mil: Talita Canal, Rosirene Messias e Marcia Laranjeira (PL-RR). Juntas, elas não passaram de 180 votos.
Marcia Laranjeira fez diversos posts nas redes sociais pedindo votos para candidatos como Romero Jucá (MDB-RR), que buscava uma vaga no Senado por Roraima, e Teresa Surita (MDB-RR), candidata ao governo do estado. Os dois ficaram em segundo lugar e foram derrotados nas urnas. A candidata recebeu R$ 50 mil do PL e ainda não declarou nenhum gasto à Justiça Eleitoral. Laranjeira teve 50 votos. A reportagem enviou perguntas para a candidata através do Instagram, mas não teve retorno.
A candidata a deputada estadual por Goiás, Guida Oliveira (PL-GO), teve 159 votos e uma média de R$ 227 reais por voto. Guida fez apenas um post com seu número em seu Instagram e Facebook. Ela recebeu R$ 20 mil do fundo especial pelo PL e doações de dois candidatos de seu partido: ganhou mais de R$ 6 mil do Major Vitor Hugo (PL-GO) e R$ 10 mil de Keyla Borges — a chapa foi apoiada por Jair Bolsonaro (PL) no estado. Os dois foram, respectivamente, candidatos a governador e vice por Goiás, mas foram derrotados nas urnas. Até então, Guida Oliveira somente explicou o gasto de R$ 9,7 mil.
A Pública também enviou perguntas para Guida pelo Facebook, mas a candidata não retornou. Caso alguma das candidatas responda após a publicação, o retorno será incluído no texto.
Além dos 41, existem ainda ao menos 11 nomes cujas redes sociais são privadas ou não foram encontradas pela reportagem. Todos eles receberam dinheiro público: no total, o PL repassou cerca de R$ 235 mil aos candidatos, via fundo eleitoral e partidário.
Chapa inteira pode ser cassada se laranjas forem confirmados
De acordo com o advogado eleitoral Fernando Neisser, para determinar que uma candidata é laranja é necessário provar que a apresentação de seu nome para a disputa eleitoral foi feita sem a intenção de que ela efetivamente concorresse à vaga. Dessa forma, a Justiça Eleitoral considera alguns indícios para fazer essa afirmação, entre eles: nenhum ou poucos votos, nenhuma ou pouca arrecadação, falta de campanha nas próprias redes sociais e o empenho em campanha para candidato que concorre ao mesmo cargo.
O advogado explica que a existência de candidaturas laranjas passou a ser discutida depois que a lei brasileira começou a exigir uma cota mínima de 30% de candidaturas efetivas dos gêneros masculino e feminino. Além da cota mínima, garantida por lei desde 2009, em 2018 o STF decidiu que a distribuição do financiamento de campanhas eleitorais deve ser proporcional aos candidatos de acordo com o gênero, o que significa que ao menos 30% do fundo eleitoral deve ir para as mulheres. A decisão foi tornada lei pelo Congresso neste ano.
“O debate [sobre as candidaturas laranja] surge quando entram o dinheiro e a obrigatoriedade de exposição dessas mulheres no horário eleitoral em rádio e televisão”, diz o advogado. Como o financiamento está em jogo, candidaturas falsas podem ser usadas para desviar dinheiro para outros candidatos.
De acordo com Neisser, os candidatos laranjas podem ser utilizados para fugir do teto máximo de gastos que uma candidatura pode ter. “Se eu sou candidato a deputado federal, eu vou receber e gastar cerca de R$ 3 milhões do meu partido, mas eu quero mais. Quero mais equipes, mais material, então se eu puder ter candidatos a deputado estadual que estão fazendo gastos fingindo que são para eles mas na verdade estão fazendo pra mim, eu aumento minha campanha sem estourar meu limite”, explicou.
Caso seja comprovada que se trata de uma candidatura falsa, uma chapa inteira pode ser cassada por ter cometido um “ilícito eleitoral”. “As regras que tratam da candidatura laranja e da fraude estão dentro da lógica da noção de abuso de poder, [seja] abuso de poder político ou abuso de poder econômico”, explicou o advogado.
Se uma chapa cumpriu a regra sobre o gênero de candidatos “só de fachada”, “a chapa inteira deve ser derrubada, não importa quantos elegeram”, finaliza. Ou seja, caso seja comprovado que algum candidato simulou sua candidatura, todos os eleitos ou não por aquele partido são cassados, e o partido perde o direito às cadeiras que conquistou.
A Agência Pública enviou o resultado do levantamento e fez questionamentos ao PL, mas o partido não quis se posicionar.
Metodologia
A Agência Pública analisou os perfis nas redes e a prestação de contas parcial no TSE dos três candidatos menos votados de todas as unidades federativas para os cargos de deputado federal e deputado estadual ou distrital, o que engloba 162 nomes. Desses, 130 haviam declarado ter recebido dinheiro para financiarem suas candidaturas até 17 de outubro.
Dos 130, 124 receberam dinheiro público via fundo partidário ou eleitoral — os outros 6 declararam ter financiado suas campanhas apenas com doações de pessoas físicas, única modalidade permitida após a proibição do financiamento eleitoral por empresas em 2016. Não foram identificadas as redes sociais de 11 nomes.
Os dados foram exportados do Repositório de Dados Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral no dia 17 de outubro e atualizados no dia 24. Foram utilizados os arquivos com informações dos candidatos, resultados por município e zona eleitoral, despesas contratadas e receitas; Filtramos as linhas correspondentes aos candidatos do PL;
Os resultados por município, despesas e receitas foram agregados pela coluna SQ_CANDIDATO das planilhas; Em seguida, fizemos o cruzamento das planilhas pelas colunas SQ_CANDIDATO e CPF
Os resultados do cruzamento podem ser vistos no arquivo.
Fonte: Publica