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Arte e Cultura

St. Vincent fala sobre 'Daddy's home', disco inspirado na prisão do pai dela: 'Não tenho vergonha'


Ela conta ao G1 como fez álbum sobre drama familiar que vazou em tabloides durante namoro com modelo Cara Delevigne. Cantora diz que achou incrível filme sobre prisão de Caetano Veloso. St. Vincent

Zackery Michael / Divulgação

St. Vincent já fez shows arrebatadores no Lollapalooza SP, cantou Nirvana no Hall da Fama do Rock, gravou com David Byrne, lançou discos aclamados, ganhou um Grammy logo antes de fazer um dueto de tirar o fôlego com Dua Lipa. Tudo isso enquanto se preocupava em segredo com o pai na cadeia.

A história do álbum "Daddy's home" parece enredo de uma das letras surreais da cantora americana, mas é real: em 2010, seu pai foi preso por dar um golpe financeiro de US$ 43 milhões. A cantora sofreu, mas o drama familiar passou batido pela imprensa e fãs durante seis anos.

O caso só vazou em 2016, quando ela virou alvo de tabloides ingleses pelo namoro com a modelo Cara Delevigne. "Foi uma violação. Não tenho vergonha do meu pai. Ele é uma pessoa com boas e más qualidades como todos nós", diz ao G1 Annie Clark sobre o 7º disco com o nome artístico St. Vincent.

"Eu queria contar isso não como uma grande fofoca, mas como uma história humana, com amor e compaixão."

O drama do pai não é a única história de prisão que ocupa a cabeça inquieta de St. Vincent. Ela conta na entrevista que ficou impressionada com o documentário “Narciso em Férias”, em que Caetano Veloso fala sobre sua prisão pela ditadura militar brasileira em 1968.

"Eu acho que (o filme sobre Caetano) mostra o poder da música e da arte quando o artista é perseguido. Mostra que os poderosos têm medo do quanto a música pode comover e mobilizar as pessoas", comenta St. Vincent.

Além da prisão do pai e de Caetano, ela também explicou seu fascínio pela música pop do início dos anos 70, a espera pelo lançamento do álbum (no dia 14 de maio), os shows no Brasil e a proeminência das mulheres no rock hoje. Leia abaixo:

G1 - Você ficou anos mantendo privada a história da prisão do seu pai. Por que agora resolveu não só falar sobre isso, como lançar um disco sobre o caso?

St. Vincent - A história foi contada sem o meu consentimento quando virou assunto de tabloide. E eu não consegui contar a minha versão. Eu queria contar isso não como uma grande fofoca, mas como uma história humana, com amor e compaixão.

Não é uma história nova, de jeito nenhum. Infelizmente, é muito comum, especialmente nos EUA, onde a gente prende muita gente. Mas aconteceu de ele ficar preso durante esses dez anos. Quando ele entrou eu era uma garota, e quando ele saiu (em 2019) eu é que tinha virado um pai.

Capa do disco 'Daddy's home', de St. Vincent

Divulgação

G1 - Você teve muita raiva quando a história vazou nos tabloides?

St. Vincent - Não sei se raiva foi o primeiro sentimento. Eu estava mais preocupada com minha família, que eu tentei proteger junto comigo ao não falar sobre isso. Pareceu uma violação. Eu não tenho vergonha disso. Eu, meus irmãos e irmãs não fizemos nada errado.

E não tenho vergonha do meu pai. Ele é uma pessoa com boas e más qualidades, como todos nós. Então eu queria poder contar a minha história.

G1 - Você já mostrou o disco para o seu pai?

St. Vincent - Não todo. Eu mostrei "Daddy's home" (faixa-título, que fala mais diretamente sobre o assunto), mesmo antes de ter terminado. Ele amou. Eu toquei para ele quando eu tinha voltado para a casa da minha família no Texas. Ele gostou, achou que o meu grito na música parecia com o do James Brown.

G1 - Você deve ter ficado nervosa para mostrar uma música para o próprio personagem, ainda mais sendo o seu pai.

St. Vincent - Sim, eu estava um pouco. Eu não tinha certeza de como ele ia receber. Mas ele tem um bom senso de humor. Acho que está empolgado em ter uma música sobre ele.

St. Vincent no Lollapalooza 2019

Fabio Tito/G1

G1 - A gravadora (Universal) não nos deixou ouvir o disco todo, mas, além do single ("Pay Your Way in Pain"), pelo menos eles nos mostraram "Melting of the sun" (lançada nesta sexta-feira). Achei ótima a ideia de falar sobre artistas corajosas como Joni Mitchell, Tori Amos e Nina Simone juntas enquanto o sol se derrete. Como essa imagem veio na sua cabeça?

St. Vincent - Eu escrevi toda a música e a melodia antes. Essa foi a faixa mais difícil do disco. Eu reescrevi a letra umas dez vezes. O título me veio quando eu estava falando com Jack (Antonoff, coprodutor do álbum). A gente estava falando do tanto de psicodelia que tinha no disco. E eu falei que nessa música eu queria um sentimento meio do sol derretendo. E essa é uma boa metáfora para muita coisa.

G1 - Nesse ano, a revista "Rolling Stone" lançou uma lista revisada de melhores discos da história e as maiores mudanças das coisas de sempre eram "What's going on", do Marvin Gaye, em 1º lugar, e "Blue", da Joni Mitchell, em 3º. Os dois são de 1971. No seu disco novo você também se volta para a música do começo dos anos 1970. Parece haver um interesse renovado por esse período. Por quê?

St. Vincent - Foi uma época fascinante. Porque foi depois do idealismo hippie, mas antes de coisas como o punk e a disco music gay de Nova York. Teve essa época em que o rock, o jazz, o soul, todos se fundiram em novas formas interessantes. E a música popular ganhou uma nova sofisticação. Então eu voltei e estudei isso: o sentimento, o tempo, a "vibe". Foi tão divertido tocar e escrever.

Veja trecho do show de St. Vincent no Lollapalooza Chile 2015

G1 - Eu sei que você puxou também coisas da memória, que o seu pai te mostrava. Tem alguma música especial desse período que ele te apresentou quando você era mais nova?

St. Vincent - Todo o disco "The Royal Scam", do Steely Dan. Eu sou fã demais. Músicas tipo "Kid Charlemagne", é tão esperta, sofisticada, dá tantas voltas. As harmonias de fundo são perfeitas. Tudo parece que foi polido e envernizado.

G1 - O Brasil tem muita coisa legal do começo dos anos 1970. Sei que você ouve música brasileira.

St. Vincent - Eu curto, sim. Ninguém pode superar o Brasil na música. Acho fascinante a Tropicália, os ritmos brasileiros, tudo é maravilhoso.

G1 - Você chegou a encontrar algum desses artistas quando veio ao Brasil? O Caetano, por exemplo?

St. Vincent - Nunca vi o Caetano. Mas eu vi o documentário dele, sobre quando ele estava na prisão ("Narciso em férias"). Eu achei incrível. Acho que mostra o poder da música e da arte quando o artista é perseguido. Mostra que os poderosos têm medo do quanto a música pode comover e mobilizar as pessoas

G1 - Não sei se você sabe que isso é uma coisa atual para nós, pois esses poderosos que prenderam o Caetano são ídolos e predecessores do grupo que está no poder no Brasil hoje.

St. Vincent - O Bolsonaro? Essa é a galera dele? Jesus... Eu sei que ele e o Trump eram amigos.

G1 - Mas o que você lembra de bom no Brasil? Seus shows foram intensos.

St. Vincent - Eu amo o Brasil, sempre que der vou voltar. Lembro a última vez e toquei em um clube menor (Cine Joia, em São Paulo). O som do público cantando junto foi tão alto que eu não podia me ouvir.

Eu estava tão impactada e emocionada naquele lugar cheio de pessoas do outro lado do mundo cantando comigo na sua segunda língua que eu chorei um pouco.

St. Vincent no Lolla em 1 minuto

G1 - Outro show diferente que você fez foi o último com os ex-membros do Nirvana. A gente falou com o Dave Grohl sobre isso, porque a filha dele, a Violet, cantou. Ele disse que foi emocionante. Você estava lá no palco também. O que achou?

St. Vincent - Foi tão legal. Era um show beneficente com o Grohl, e Pat (Smear, guitarrista) e o Krist (Novoselic, baixista) e aí a Violet subiu e cantou "Heart-Shaped Box". E ela foi ótima. Realmente deve ter alguma coisa genética ali (risos).

G1 - A gente também lembrou na conversa com o Dave que o Kurt Cobain escreveu que o futuro do rock era feminino. Vendo as indicações de performance de rock no último Grammy todas de mulheres (Fiona Apple, Phoebe Bridgers, Haim, Brittany Howard, Grace Potter, Big Thief), você acha que esse futuro que o Kurt previu é agora?

St. Vincent - Hmmm, sim. Eu acho que desde que eu comecei, tenho visto tanto mais mulheres tocando guitarra. E foi uma coisa notável mesmo que todas as indicadas na categoria de rock foram mulheres. Sim, eu concordo.

G1

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