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Maria Leusa Munduruku sobre garimpo ilegal: “Estamos em um estado muito grave de ameaças físicas”


“Medo a gente não tem, não dá para recuar. É só mesmo evitando esses conflitos, porque ainda temos muita coisa pra fazer.” É assim que Maria Leusa Munduruku, liderança do alto Tapajós, descreve à Agência Pública suas motivações para seguir na luta contra o garimpo ilegal que avança sobre as Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, ocupadas por seu povo, no sudoeste do Pará. 

Ameaçada há anos por sustentar posição de resistência à mineração em seu território, ela tem sentido as intimidações recrudescerem nos últimos meses devido à escalada do conflito com os garimpeiros. A situação é tão grave que, na última quinta-feira (22), o Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA) pediu ao procurador-geral da República Augusto Aras que solicite ao Supremo Tribunal Federal (STF) a atuação da Polícia Federal para garantir a segurança dos Munduruku no município de Jacareacanga, epicentro do conflito, localizado a mais de 1,7 mil km da capital Belém.

De acordo com Maria Leusa, os criminosos aliciaram um pequeno grupo de indígenas, que vem representando os interesses do garimpo e ameaçando os Munduruku contrários à atividade. “Eles [garimpeiros e apoiadores] falam sempre que nós queremos a legalização do garimpo, mas isso é mentira. Os nossos caciques sempre falam por meio das cartas que não aceitamos a legalização do garimpo dentro do nosso território”, diz, referindo-se aos documentos abertos que as lideranças Munduruku têm divulgado para denunciar os garimpeiros. Segundo Maria Leusa, uma nova assembleia de caciques foi realizada na última semana para discutir as próximas medidas contra as invasões.

Maria Leusa Munduruku tem visto as ameaças contra si se agravarem nos últimos meses em Jacareacanga

Em 25 de março, as ameaças se traduziram em um ataque à sede da Associação das Mulheres Munduruku Wakobor?n, da qual Maria Leusa é coordenadora, em Jacareacanga. De acordo com o MPF-PA, os responsáveis pelo atentado – entre eles, indígenas – integravam um protesto a favor da exploração de ouro nas terras indígenas do município. Em 18 de abril, segundo o MPF, o grupo pró-garimpo roubou mais de 830 litros de combustível e um motor de barco pertencentes à Wakobor?n, ação que se repetiu três dias depois, quando foram subtraídos mais dois motores de embarcações de Mundurukus que se opõem à extração de ouro.

Maria Leusa conta que o conflito se intensificou após alguns indígenas que combatem a mineração ilegal terem encontrado, no meio de março, uma nova abertura de garimpo na TI Munduruku, na região o igarapé Baunilha. O MPF-PA informou ter recebido denúncias dando conta de que a invasão teria se intensificado por ali a partir do dia 14 do mês passado, “com a entrada de grande número de pás carregadeiras”.

Já neste mês, os garimpeiros e seus aliados Munduruku organizaram uma comitiva, formada por mais de cem indígenas, que viajou a Brasília para pressionar o STF e o Congresso a favor de suas demandas – a principal delas é a aprovação do PL 121/2020, proposto pelo governo federal, que autoriza a mineração em terras indígenas, hoje proibida pela Constituição. “Eles [organizadores da caravana] mentiram falando que era para discutir saúde, educação. Mentiram para enganar e levar os nossos parentes”, afirma Maria Leusa.

Em agosto de 2020, a atuação ilegal dos garimpeiros na TI Munduruku ganhou evidência quando uma operação da Polícia Federal contra a atividade foi vazada para os invasores, o que teria permitido que eles interrompessem o trabalho e escondessem seus equipamentos, impedindo o flagrante. No mesmo mês, outra polêmica: indígenas pró-garimpo foram levados a Brasília por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para uma reunião com o ministro Ricardo Salles.

A exploração de ouro na região no território Munduruku – que abriga 14 mil pessoas e se estende ao todo por cinco TIs entre Pará e Mato Grosso – acontece desde a década de 1950, mas se intensificou nos últimos com o uso de máquinas mais modernas e caras, como tratores e escavadeiras hidráulicas. Para Maria Leusa, isso comprova que os indígenas pró-garimpo “são mandados pelos brancos”. “Nós, indígenas, não temos condição de manter uma escavadeira cara daquela, os indígenas não têm quase nada”, destaca. Confira a entrevista a seguir:

Em 15 de abril, o Ministério Público Federal enviou recomendação a ministérios e órgãos públicos para que não fizessem acordos sobre mineração em terras indígenas com a comitiva Munduruku que foi a Brasília para o Dia do Índio. No documento, os procuradores citam a Associação Pusuru como reduto dos Munduruku aliados ao garimpo. Isso procede?

A Associação Pusuru é uma das que existe há mais tempo, mas não é a primeira – o Conselho Indígena Munduruku do Alto Tapajós [Cimat], por exemplo, foi criado antes. Infelizmente, ela foi corrompida pelos garimpeiros, agora defende o interesse dos pariwat  [“não indígena”, na língua tradicional] e não os do povo. Entraram [na associação Pusuru] os parentes que estavam envolvidos com as invasões, está totalmente na mão deles. Mas os caciques falam que nenhuma associação representa o povo Munduruku; nós, a associação das mulheres, a associação dos professores, o Movimento Ypereg Ayu são apenas para dar suporte e apoio aos movimentos de resistência, mas jamais vão representar o povo Munduruku todo. Eles [garimpeiros e apoiadores] falam sempre que nós queremos a legalização do garimpo, mas isso é mentira. Os nossos caciques sempre falam por meio das cartas que não aceitamos a legalização do garimpo dentro do nosso território.

A caravana a Brasília contou com a participação de 102 indígenas Munduruku. Por que essas pessoas fizeram parte da comitiva?

Eles [organizadores da caravana à Brasília] mentiram falando que era para discutir saúde, educação. Mentiram pra enganar e levar os nossos parentes. Eles estão usando nossos parentes.

Em março, houve um ataque à sede da Associação das Mulheres Munduruku Wakobor?n, em Jacareacanga. Qual era a situação do conflito com os garimpeiros ilegais quando esse episódio ocorreu?

A gente já tinha recebido vários áudios de ameaça por estarmos acompanhando nossos guerreiros, fazendo monitoramento [na TI Munduruku]. No mês de março, teve monitoramento em mais um local que eles [garimpeiros] queriam invadir [na região do igarapé Baunilha]. Mas os guerreiros não deixaram, continuaram fazendo fiscalização dentro do território. Aí foi dado o recado via WhatsApp, mandado áudio nos grupos. Logo depois, eles realmente entraram armados, puseram uma balsa no local, colocaram os próprios indígenas para fazer a segurança do transporte [do ouro], e conseguiram conquistar uma das aldeias. Os guerreiros, quando souberam que a invasão estava acontecendo, começaram a se articular e desceram para impedir a nova abertura [de garimpo]. Eles pediram que os invasores tirassem as coisas, foi muito ruim, teve briga, tentaram atirar nos guerreiros. Isso foi no mês passado [março], antes da depredação do nosso escritório. Eles ficaram muito revoltados, falaram que eram as ONGs que estavam bancando, que era tudo culpa da associação [Wakobor?n] por estar impedindo eles de trabalhar. Então, [os indígenas pró-garimpo] começaram a se manifestar e formaram um grupo de criminosos. Só que eles são mandados pelos brancos, estão sendo bancados, porque nós, indígenas, não temos condição de manter uma escavadeira cara daquela, os indígenas não têm quase nada. Aí aconteceu o ataque, depredaram nosso escritório, queimaram todas as documentações que estavam lá e alguns equipamentos. 

Sede da Associação das Mulheres Munduruku Wakobor?n depois do ataque, em 25 de março; documentos e equipamentos foram quebrados e queimados

Quais foram os desdobramentos desse ataque?

Depois do ataque, eles falaram que não iam parar. E, realmente, foi dito e feito, só que a gente também não recuou. A gente começou a fazer mobilização nas aldeias, começou a denunciar tudo que está acontecendo, e também conseguimos nos fortalecer. A maioria dos caciques se manifestou pela realização de uma grande assembleia deles, falaram que [os indígenas pró-garimpo] estão passando por cima da autoridade deles, e por isso não podem falar pelo povo Munduruku. Estamos na mobilização, conversando com os caciques, dizendo que existe um projeto de lei pelo qual o governo pretende legalizar o garimpo dentro do nosso território. Nenhum cacique é favorável a isso. Nós passamos 15 dias indo de aldeia em aldeia. 

Português Funai Garimpo Indígenas Mineração Munduruku Tapajós

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