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Amazônia

Madeireiros peruanos multados nos EUA exportam madeira da Amazônia para América Latina


Empresas ligadas a duas madeireiras peruanas punidas nos Estados Unidos entre 2017 e 2019 pelo transporte de madeira ilegal continuam exportando madeira da Amazônia para vários países. As duas companhias – chamadas Inversiones La Oroza e Inversiones WCA E. I. R. L. – utilizam uma rede de outras empresas, familiares e aliados para os negócios, com registros inconsistentes dos preços da madeira exportada. Apesar de afirmarem que verificam se a procedência é legal, não apresentaram provas no Peru ou às autoridades americanas de que melhoraram seus processos para garantir a origem da madeira embarcada para o exterior.

As revelações são o resultado de uma investigação jornalística transnacional da qual a Agência Pública faz parte com Columbia Journalism Investigations (CJI), Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (Clip), El Informe con Alicia Ortega do Grupo SIN (República Dominicana), Ojo Público (Peru) e Mongabay Latam (México e Peru). A apuração acompanhou as operações internacionais das duas madeireiras peruanas.

A primeira empresa, Inversiones La Oroza, foi a responsável pela maior parte da madeira ilegal transportada em 2015 pelo navio Yacu Kallpa de Iquitos, na Amazônia peruana, para os Estados Unidos. Como resultado, em 2017, em decisão histórica, o governo federal americano proibiu por três anos a empresa de fazer exportação de madeira para o país, sanção renovada no ano passado por mais outros três, até 2023.

Já a Inversiones WCA – a terceira maior transportadora de carga do navio Yacu Kallpa – foi impedida de entrar nos Estados Unidos em 2019 porque o governo do Peru descobriu que, um ano antes, a empresa havia enviado ao país madeira que não havia sido extraída e comercializada de acordo com a legislação peruana. As autoridades federais americanas decidirão este ano se prorrogam ou não o veto à WCA.

A investigação constatou que as duas companhias continuaram a exportar para vários outros países, incluindo o México, onde entre os compradores estão empresas do conglomerado madeireiro dos irmãos Ceballos Gallardo. Em 2015, as madeireiras peruanas já haviam vendido madeira comprovadamente ilegal ao grupo mexicano.

A reportagem descobriu também que o gerente da La Oroza, Luis Ascencio Jurado, fundou a empresa Mafilo, na República Dominicana, com um sócio dominicano – agora Ascencio Jurado é o maior acionista da Mafilo. Desde sua criação em 2016, a madeireira dominicana importou US$ 5,5 milhões de vários países, incluindo o Peru. Além disso, importou do Brasil várias cargas de madeira de espécies amazônicas ameaçadas de extinção e comprou de duas empresas brasileiras suspeitas de terem adquirido no passado madeira de origem fraudulenta, como revelou a Operação Arquimedes, deflagrada pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM) em 2017.

Segundo a apuração, o principal parceiro da WCA, William Castro Amaringo, suspendeu as exportações após a sanção do governo federal americano, mas continuou exportando em 2020 com outra de suas empresas, a Miremi, cuja atividade comercial original era o beneficiamento de madeira. A reportagem constatou também que, em pelo menos cinco vendas originárias do Peru para a Mafilo, os exportadores relataram preços mais altos em seu país para as mesmas cargas declaradas na República Dominicana.

Em entrevista em vídeo de sua sede em Iquitos, Ascencio Jurado disse que suas empresas garantem “que a origem [da madeira] é legal tanto no Peru quanto em outras partes do mundo” e que desde 2016 tomaram medidas para extrair madeira de suas próprias concessões e exportar.

Novas empresas, velhos sócios

Jurado é um engenheiro florestal à frente da La Oroza, empresa que ele criou em 2004, seguindo o ofício do pai, que havia começado a comercializar madeira em Lima. Embora a sócia majoritária fundadora da La Oroza tenha sido Ruth Antonia Ascencio Jurado, irmã de Luis Ascencio, desde 2019 é ele quem detém as rédeas da madeireira como principal proprietário e gerente.

A empresa extrai, transforma e comercializa madeira nas áreas florestais das províncias de Loreto e Ucayali, na Amazônia peruana. Atualmente, detém cinco concessões madeireiras em Loreto, segundo investigação do Ojo Público. A sede da La Oroza fica em Iquitos, e sua planta de secagem industrial de madeira está localizada em Pucallpa, capital peruana da madeira no rio Ucayali, onde operam 87 serrarias, de acordo com o mais recente relatório do Serviço Nacional de Florestas e Vida Silvestre do Peru (Serfor). Durante anos, antes de se expandir para o exterior, os Ascencio Jurado forneceram madeira para um dos maiores exportadores de madeira do Peru, a Maderera Bozovich.

A fachada da empresa Inversiones La Oroza não possui nenhum aviso que a identifique

Em outubro de 2017, o governo federal americano, por meio do Escritório de Representação Comercial (USTR), proibiu por três anos a importação de madeira da La Oroza. A decisão se baseou em uma emenda ao Lacey Act que impede a importação de madeira de origem ilegal e permite que se exija a documentação de origem para qualquer importação em caso de suspeita de irregularidades. Em outubro de 2020, a sanção foi renovada por mais três anos, até 2023. “Até hoje, porém, o governo do Peru não demonstrou […] que La Oroza atende aos requisitos necessários para a colheita e comercialização de produtos de madeira”, afirma o USTR em sua última declaração sobre o assunto.

Nesses anos, a La Oroza acumulou uma longa história de sanções e multas por diferentes razões no Peru. Os motivos são infrações que vão desde o não cumprimento dos planos de manejo florestal com os quais se comprometeu em duas de suas cinco concessões até a extração de madeira falsamente endossada nesses planos ou o transporte com licenças que não correspondem à realidade.

Carga de madeira deixando o porto de Pucallpa, no Peru. Exportações ilegais representam grande parte da madeira retirada do país

Em julho de 2016, logo após o escândalo da exportação ilegal de madeira das viagens do navio Yacu Kallpa, Ascencio Jurado criou outra madeireira, a Mafilo SRL, na República Dominicana. A empresa foi criada por meio de um procurador, com os dominicanos Juan Agustín Vargas González (mais conhecido como Johnny Vargas) e Amauris Andreu como sócios minoritários. Andreu deixou a empresa, e hoje apenas Vargas González e Ascencio Jurado, que ainda detêm a maior parte das ações, permanecem, de acordo com os registros públicos.

Juan Ángel Ascensio fundou a Mafilo em julho de 2016

Vargas González vem de uma família tradicionalmente ligada ao setor madeireiro na cidade dominicana de Santiago de los Caballeros. Há vários anos, ele se separou da empresa familiar, Madesol, para criar a própria companhia comercial, Maderas del Valle (Madeva), segundo informou seu irmão, Arnaldo Vargas.

Com González Vargas como parceiro comum, as empresas dominicanas Madeva e Mafilo trabalham em conjunto, explicou o engenheiro florestal Abraham Maca, representante legal da La Oroza entre 2015 e 2016, quando se descobriu que o Yacu Kallpa transportava madeira de origem ilegal. Maca estava nos escritórios da Mafilo quando esta equipe jornalística entrou em contato com ele. “Se eles têm madeira, eles me emprestam, eles nos dão”, disse. “Comigo é a mesma coisa. É uma relação de amizade, mas não mais. Eu o chamo de ‘meu sócio’ porque conversamos muito e ele me ajuda muito.”. Entretanto, ao contrário do que Maca afirma, os registros oficiais mostram que Vargas González é um parceiro em ambas as empresas, e ele próprio explicou sua razão para se associar à Mafilo.

“A lógica de participar como acionista da Mafilo era a expansão”, explicou Vargas Gonzáles em respostas escritas às perguntas enviadas pela reportagem. “Tivemos a oportunidade de fazer parte de uma empresa em processo de formação por um fornecedor de longa data nosso. Naquela época, ele estava procurando crescer no mercado de Santo Domingo [na República Dominicana], já que a Madeva opera somente em Santiago [também na República Dominicana], exceto por um pedido específico de clientes em Santo Domingo.” 

O caso a seguir prova como a Madeva e a Mafilo operam juntas. Em 29 de abril de 2018, a Madeva importou do porto de Paranaguá, no Sul do Brasil, 21 toneladas de mogno (Swietenia macrophylla). O mogno é uma árvore que cresce até 70 metros de altura e está listada no Apêndice II da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas de Fauna e Flora Selvagens (Cites). Ao listá-la na Cites, Brasil e Peru estão informando ao mercado internacional que essa espécie está em perigo e, portanto, seu comércio exige uma verificação especial para saber se ela saiu de um plano florestal sustentável.

O mogno aparece de maneira significativa apenas no limite sul da floresta amazônica, do estado do Pará ao leste do Peru, de acordo com um relatório apresentado em 2013 pelos cientistas Mark Schulze, da Universidade da Flórida, e James Grogan, da Universidade Yale, à Organização Internacional de Madeiras Tropicais (OIMT).

O Ministério do Meio Ambiente da República Dominicana informou que a empresa importadora que desejar trazer madeira de espécies listadas na Cites, como cedro ou mogno, deve obter uma licença da Diretoria de Biodiversidade do Ministério e apresentar a ela um “parecer de extração não degradante” emitido pela autoridade da Cites do país de origem. A Diretoria de Biodiversidade informou que de fato registrou a Madeva como importadora de mogno do Brasil e, portanto, presumivelmente esta apresentou a licença do Cites.

Entretanto, a Madeva serviu apenas de ponte para a Mafilo. De acordo com a documentação detalhada da alfândega dominicana, a primeira endossou a carga para a segunda por um valor de US$ 29 mil.

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