Tortura: “o diabão do Meio Oeste”
Além dos abusos sexuais, a denúncia do MPSC afirma que os três acusados teriam praticado tortura contra os presos. Foram, segundo a promotoria, 11 atos relacionados à tortura que teriam sido praticados por Filipiacki, nove por Oliveira e quatro por Kasburg. São oito testemunhas que fizeram relatos de agressões físicas e psicológicas. Assim como nos casos de envolvimento sexual mediante coação das mulheres, o número de vítimas pode ser maior.
“Não havendo dúvida de que muitos outros episódios ocorreram, já que diversas testemunhas afirmaram que eram corriqueiras as agressões de presos durante a gestão 2012/2016, mas não souberam precisar os nomes das vítimas. Pelos depoimentos colhidos, é possível verificar que, já quando do ingresso na Unidade Prisional, o detento era submetido a sofrimento psicológico e, muitas vezes, a agressão física”, aponta a petição da 2ª Promotoria de Justiça de Caçador.
Uma das testemunhas protegidas citada pela denúncia do MPSC disse que aumentava o volume da televisão sempre que presos entravam nas salas da diretoria do presídio. A colaboradora da unidade prisional disse que não suportava mais ouvir os barulhos das agressões. E, quando as torturas causavam lesões mais graves, os presos eram deixados no isolamento por 30 dias até se recuperarem para não aparecerem com as marcas dos ferimentos.
Enquanto isso, as famílias das vítimas não podiam fazer visitas sob a alegação de que os presos tinham feito alguma “falta”.
Em outro relato, uma das vítimas diz que sofreu com agressões com o uso de marretas de borracha e que Filipiacki era conhecido no sistema prisional de Santa Catarina como “o diabão do Meio Oeste”.
Outro lado
Felipe Carlos Filipiacki, principal acusado pelos abusos sexuais e torturas, além de responder por esses casos nas ações (cível e criminal) já descritas por esta reportagem, também é acusado de enriquecimento ilícito pelo MPSC. Ele perdeu o cargo de diretor da Penitenciária Agrícola de Chapecó e foi exonerado da função em setembro de 2018, após sua esposa ter sido flagrada em Joaçaba, também no oeste do estado, dirigindo uma viatura do Departamento de Administração Prisional (Deap).
Além da condenação por improbidade administrativa, a promotoria pede que ele devolva R$ 28,6 mil pelo uso do carro oficial para fins particulares, em ação ajuizada em janeiro de 2020.
Em uma petição, a defesa sustenta “a total ausência de dolo” nos casos narrados pelo MPSC de conteúdo sexual e tortura, mas Filipiacki alega e admite que teve um “envolvimento amoroso” com uma única detenta no interior da unidade prisional.
Seus advogados, que também defendem Antônio Cícero de Oliveira nas mesmas ações, enviaram nota à Pública em que dizem que as alegações do MPSC não são verdadeiras.
“Inicialmente, importante esclarecer que o processo da ação civil pública pauta sobre a dignidade da pessoa humana, inclusive, dos requeridos. Sim, afinal, estes sempre motivaram, encorajaram e enalteceram tal princípio no exercício de suas funções sendo que as alegações a eles imputadas não são verídicas, tanto é que acreditam na improcedência da ação. Ainda, alguns pontos devem ser destacados como a presunção de inocência, o respeito ao processo judicial, a defesa pautada pelo contraditório, bem como a ausência de provas – ônus da parte autora – na demonstração dos fatos. Acredita-se que a justiça prevalecerá, motivo pelo qual a defesa dos Srs. Antônio Cícero de Oliveira e Felipe Carlos Filipiacki inclusive se põe à disposição para futuros esclarecimentos, com o trânsito em julgado do processo, caso assim achar necessário”, diz a íntegra da nota assinada pelo advogado Pedro Alexandre Pronievicz Barreto e Márcia Helena da Silva.
Leonardo Elias Bittencourt, defensor de Ediney Carlos Kasburg, disse à reportagem que seu cliente não pretende se pronunciar sobre o caso. No processo, alega que os atos relatados pelo Ministério Público “não são mais do que meras suposições”.
A reportagem pediu à Secretaria de Administração Prisional (SAP) os dados sobre os processos de investigação interna contra os três funcionários acusados pelo MPSC. Os três servidores públicos, apesar do afastamento determinado pela Justiça, continuam recebendo seus salários, pois não existe previsão legal para suspensão dos pagamentos enquanto não é concluído um processo administrativo disciplinar aberto contra eles, iniciado ainda em 2018.
A pasta alegou que não poderia fornecer as informações citando cinco leis (Lei Federal nº 13.869/2019 – Lei de Abuso de Autoridade –, Lei Federal 8.112/1990, Lei Federal nº 9.784/1999, Lei nº 8.906/1994, Lei Complementar Estadual nº 491/2010) e o enunciado nº 14/16 da Controladoria-Geral da União (CGU), que impede que terceiros tenham acesso a processos disciplinares em andamento.
Kasburg e Oliveira respondem ainda na Justiça a uma ação de improbidade administrativa e outra criminal por atos cometidos na gestão do presídio entre 2016 até a prisão deles em 2018. O MPSC ainda investiga a administração de Filipiacki na mesma unidade prisional entre 2012 e 2016. Os três acusados ficaram presos entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2020.
Fonte: Publica