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Amazônia

“A Amazônia está morrendo” e o Brasil é o principal culpado, diz cientista do Inpe

Como a degradação florestal causada pelo desmatamento reduz a capacidade da floresta amazônica de absorver carbono?

Tem um estudo orientado pelo professor Luiz Aragão [também pesquisador do Inpe e um dos autores do estudo liderado por Gatti] sobre uma floresta primária [aquela que nunca foi desmatada] que queimou. Num primeiro momento, essa floresta queima e joga CO2 na atmosfera, mas não para por aí, pois ao longo dos trinta anos seguintes uma parte dela vai morrer e provocar emissões por decomposição, que representam 72% do total das emissões – isso significa que não há liberação de carbono apenas no momento em que a floresta queima. Há ainda outra informação: o tanto que essa floresta se recupera equivale apenas a um terço do total das emissões. A floresta queimada representará um grande volume de emissões que não está sendo computado e que, pelo jeito, é até maior do que o proveniente de desmatamento, quando o tronco, que é o grosso da massa de carbono, vai para venda. A degradação faz com que, no ano seguinte [ao desmatamento], haja menos árvores para evapotranspirar e, por consequência, menos chuva, temperaturas mais altas e uma floresta ainda mais seca, o que fará com que o fogo se alastre mais rapidamente. É fácil da gente concluir que a degradação, nas regiões com um volume de desmatamento muito alto, é muito superior às regiões com taxas menores de desmatamento.

De que maneira essas práticas podem impactar o regime de chuvas e quais as consequências disso para todo o país?

As árvores jogam vapor de água na atmosfera – elas fazem parte da composição da chuva. Na Amazônia, as massas de ar entram na floresta levando a umidade do oceano, aí chove e há uma reposição desse vapor de água para que continue o processo de chuva a partir da evaporação dos rios, lagos, áreas alagadas e a evapotranspiração das árvores – esta última responde em média por um terço da reposição de água, mas pode variar de 25% a 50%. Se a gente já desmatou 20% da Amazônia, já reduzimos a reposição do vapor de água na atmosfera por meio das árvores. O problema é que esses 20% de desmatamento não estão distribuídos igualmente pelo bioma, estão mais concentrados no que chamamos de “arco do desmatamento”. Neste cinturão, a redução de precipitação já é muito grande e se intensifica ainda mais na estação seca. Há uma mudança muito intensa nos meses de agosto, setembro e outubro, exatamente quando vemos um grande número de queimadas no Brasil, porque já está chovendo no mínimo 20% a menos na Amazônia. Então, para o resto do Brasil e também para uma parte da América do Sul – Paraguai, Uruguai etc, já que a massa de ar vai descendo –, há menos chuva também.

O artigo revela diferenças significativas entre as porções leste – onde fica o Brasil – e oeste da Amazônia em termos de capacidade de absorção e emissão de CO2. Por que há divergências tão gritantes entre elas?

A parte leste [considerada no estudo] tem mais ou menos 2 milhões de km² e está 30% desmatada, em média, enquanto a parte oeste está em média 11%. Quando calculamos o quanto a floresta está conseguindo compensar as emissões de CO2 decorrentes das queimadas, verifica-se que na Pan-Amazônia essa taxa é de 30%. Se considerarmos apenas o Brasil, ela cai para 18%, pois a maior o desmatamento aqui é muito maior do que nos outros países da Amazônia. Podemos dizer com toda certeza que o Brasil é o pior país no cuidado com a Amazônia. 

O estudo traz resultados referentes ao período de 2010 a 2018, mas é possível afirmar que a Amazônia vem perdendo sua capacidade de absorver carbono há mais tempo?

Nosso estudo só tem nove anos, sabemos que nesse período a mortalidade na Amazônia aumentou. O professor Roel Brienen [da Universidade de Leeds, no Reino Unido], em um estudo publicado na Nature em 2015, viu muito claramente a mortalidade na Amazônia aumentando desde 1990. Dois anos depois, o professor Oliver Phillips, coordenador do projeto RAINFOR [que monitora o comportamento do bioma amazônico em diversos aspectos], separou a Amazônia em cinco partes e mostrou que a região sudeste faz uma remoção menor de carbono, que a cada ano diminui mais. Então, a gente já tinha essa sinalização de outros estudos. No nosso cenário de nove anos, a gente enxerga uma variabilidade ano a ano do balanço de carbono porque tem anos em que chove mais e anos em que chove menos, anos mais quentes, anos mais frios – cada ano sai de um jeito. É por isso que tomamos a decisão de fazer o estudo de uma década. Ainda não completou uma década, temos nove anos aí, mas a gente já tinha o entendimento de que está havendo uma interferência nos fluxos de carbono. Ainda teremos mais quatro anos de medidas, e o que queremos agora é fazer parcerias mais estreitas com quem está estudando a floresta lá embaixo, para entender melhor o que está acontecendo com ela. Se a gente conseguir separar a decomposição da absorção, vamos conseguir ver o que mais tem interferido nessa redução da absorção de CO2. Quanto mais você vai desenvolvendo ferramentas, mais você vai entendendo. Não dá pra dizer que entendemos tudo na Amazônia, ainda tem muito para entender. A natureza é tão complexa que tudo está interligado com tudo. Eu gosto de pensar na natureza como um jogo de dominó, onde você põe todos os dominós um do lado do outro e na hora que você mexe em um, na sequência mexe com todos os outros. O efeito da nossa interferência na natureza é muito maior do que a gente imagina.

Sabendo das taxas crescentes de desmatamento e focos de queimadas nos últimos anos, pode-se afirmar que a política ambiental do governo Bolsonaro acentua essa tendência?

Sem dúvida. Temos as mudanças climáticas interferindo nesse processo e o estamos acelerando ainda mais com taxas recordes de desmatamento e queimadas na Amazônia. Basicamente, estamos multiplicando os efeitos das mudanças climáticas com o desmatamento na Amazônia. Nós tínhamos na Amazônia uma segurança, uma proteção contra as mudanças climáticas, porque ela é um corpo de árvores gigantescas jogando um monte de vapor de água na atmosfera e ajudando a resfriar. Ela deveria estar reduzindo os impactos da mudança climática para nós, mas estamos desmatando, queimando e transformando a Amazônia numa aceleração das mudanças climáticas. A gente tem que defender a Amazônia, ela está sendo assassinada, está morrendo.

Área desmatada em Novo Progresso, no sudoeste do Pará, que compõem a região sudeste da Amazônia, onde as emissões de carbono são mais altas, segundo o artigo

E o Brasil tem papel fundamental nisso…

Exato. O Brasil tem um papel central e com certeza uma responsabilidade muito maior, porque não só temos a maior parte da Amazônia, como também a maior parte do desmatamento e das queimadas está aqui dentro. E o governo está fazendo o inverso do que deveríamos estar fazendo. Vou dar um outro exemplo de condução errada: estamos passando por um momento de escassez de chuvas, o que está impactando a geração de energia, porque os reservatórios estão baixos por conta das mudanças climáticas, do desmatamento e das queimadas. Qual é a solução brilhante? Termelétricas a gás, que vão jogar ainda mais gases de efeito estufa na atmosfera e só vão piorar o cenário. 

Como os territórios indígenas podem ajudar a frear esse processo todo?

Na prática, o que a gente vê é que as reservas indígenas são as que mais efetivamente protegem a floresta. O desmatamento e a degradação são menores nas terras indígenas, exceto quando os desmatadores, os mineradores, grileiros, invadem essas terras. Os indígenas cuidam da floresta, têm um modo de vida que não depreda, não desmata. Eles fazem o mínimo para sobrevivência, não existe essa ambição de fazer aquele monte de plantação para vender bastante, ficar rico e criar um monte de gado para exportar.

Fonte: Publica

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