Inaugurada com pompa, embaixada está vazia, recebeu festa e tem relações com programa do governo do DF
Neste mês de julho, menos de dois anos após a inauguração, a Pública foi até o imóvel — registrado como sede da Senah na Receita Federal — e encontrou portas fechadas, sem nenhuma referência à organização. Em conversa com vizinhos, eles contaram que o prédio “fica sempre fechado”. Uma mulher que mora ao lado disse que, desde a grande festa, ocorreram dois eventos: de uma igreja evangélica e um baile funk.
De fato, no prédio, há uma placa do Madi’s Lounge Club, uma casa noturna que realizou sua festa de inauguração em dezembro do ano passado. O evento teve ao menos cinco DJs e ingressos vendidos online por R$ 20 a R$ 50 reais. A reportagem retornou hoje (02/08) ao local e um homem que arrumava o jardim da frente afirmou que estava prestando o serviço para “a nova administração”. Ele contou que havia começado nesta semana o trabalho para a Madi’s e que no espaço “vai funcionar um salão de eventos”.
“Na realidade, a Senah nunca funcionou”, disse um ex-funcionário da entidade, o auxiliar de cozinha, Willian Cosme de Sousa. Ele contou que trabalhou, junto a sua mãe, por um mês e quinze dias para o reverendo. Os dois foram contratados para assumir o buffet da “embaixada”, mas cozinharam poucas vezes, antes da inauguração do local, para convidados de Amilton. Eles saíram do emprego, em outubro de 2019, porque não receberam o salário, “só promessas”. Mãe e filho acionaram a Justiça do Trabalho contra a entidade. “O intuito do reverendo era arrumar patrocínio para mobiliar o prédio porque não tinha nada lá”, lembra.
A reportagem tentou diversas vezes falar com o reverendo, enviou para ele os questionamentos pelo whatsapp e para o e-mail da Senah, sem retorno.
Além da casa noturna, o imóvel tem um banner indicando que o local foi contemplado pelo Programa de Apoio ao Empreendimento Produtivo no Distrito Federal (Pró-DF), com nome da empresa favorecida: Clínica de Olhos Anchieta. A empresa é um consultório oftalmológico que presta serviços de saúde a deputados distritais e servidores de órgãos públicos como, por exemplo, a Câmara Legislativa do DF e o Superior Tribunal de Justiça.
O Pró-DF, criado em 2003 pelo governo para motivar empresas a se instalarem no entorno de Brasília com incentivos fiscais e concessão de terreno, foi alvo de escândalos de corrupção e irregularidades. Ele foi substituído, durante a gestão do governador Ibaneis Rocha (MDB), pelo Desenvolve-DF.
A Secretaria de Comunicação do Distrito Federal informou à reportagem que o contrato entre a Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap) e a clínica foi assinado em fevereiro de 2003, mas cancelado 15 anos depois “por divergências quanto ao efetivo exercício da atividade de clínica no imóvel, face a uma solicitação da empresa de alteração de uso para ‘locação de espaço para eventos’”. Segundo a nota, houve recurso contra este cancelamento, que está em fase de análise.
De acordo com a Secretaria de Estado de Empreendedorismo do DF, a clínica solicitou a inclusão de outro CNPJ no endereço, mas como o processo está em análise, não seria possível informar de qual empresa é o registro.
Um dos sócios da Clínica de Olhos Anchieta, o oftalmologista José Tannous, recebeu o diploma de Embaixador da Paz das mãos do reverendo Amilton, no dia da inauguração da embaixada no local.
Parcerias anunciadas pela Senah dizem não ter relação com organização e pedem exclusão de nome
Um papel timbrado com bordas douradas e três logos: do Governo Federal, da Frente Parlamentar Mista Internacional Humanitária pela Paz Mundial do Congresso (FremhPaz) e da Senah. Assim é o título de “embaixador da paz”, a maior honraria criada e concedida pela organização comandada por Amilton Gomes de Paula e ponto alto da festa de inauguração do prédio em Águas Claras.
A própria embaixada da paz — nome dado pelo o reverendo ao prédio em Águas Claras — confunde-se com uma organização convidada para o evento: a Embaixada da Paz, ONG que atua em projetos sociais e ambientais. A organização é comandada pela atriz Maria Paula Fidalgo, que ficou conhecida por atuar na série de televisão Casseta & Planeta, nas décadas de 1990 e 2000.
Apesar de a atriz estar presente no evento comandado por Amilton Gomes — foi ela quem entregou alguns dos diplomas de embaixadores da paz — a ONG disse à Pública que as relações com a Senah pararam por aí. Segundo a assessoria da organização, não foi estabelecido nenhum contrato ou parceria com o reverendo, e o contato teria se resumido ao evento. A assessoria negou qualquer apoio à Senah e disse desconhecer a atuação da entidade atualmente. A reportagem falou diretamente com Fidalgo, que negou apoio à organização e reforçou desconhecer a atuação da Senah atualmente. Ela ainda lamentou que situações como essa possam prejudicar iniciativas que de fato atuem em causas humanitárias.
A Senah concedeu, por exemplo, o diploma de embaixador da paz a Carlos Alberto Rodrigues Tabanez, candidato suplente a deputado distrital pelo PROS em 2018. Tabanez, que é policial civil, é instrutor de tiro, sócio e vice-presidente do clube de tiro GSI e defende ampliar o acesso à armas de fogo para a população.
O deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), presidente da FremPaz — frente cujo nome consta nos títulos distribuídos pelo reverendo, na placa de inauguração da embaixada e em vídeos da organização nas redes sociais — afirmou à reportagem que a parceria com a Senah “não progrediu”. Amilton Gomes foi um dos fundadores da frente parlamentar, criada em 17 de setembro de 2019. “Sem avanços, não foram realizados cursos, eventos, ou apoio a quaisquer projetos de natureza social ou política”, justificou o deputado. O parlamentar ainda tentou descolar sua imagem do pastor e disse que sua relação com Amilton Gomes “foi apenas institucional”. Ao ser questionado pelo fato de o reverendo usar a logomarca da FremhPaz em vídeos divulgados na internet, Pinato informou “que irá solicitar a retirada destes conteúdos do ar, por uso indevido do nome do colegiado”.
Desconhecer a atuação da Senah foi uma afirmação que ouvimos de várias organizações com as quais Amilton Gomes propagandeava ter parcerias. Antes da apuração da Pública, a entidade divulgava na página principal do seu site a logomarca de diversas organizações parceiras que afirmaram à reportagem nunca terem realizado ações em conjunto com a entidade, ou seu presidente. É o caso, por exemplo, do Conselho Nacional de Justiça (CNPJ) . Ao ser procurado, o CNJ informou “que não tem nenhuma parceria ou relação institucional com a Senah”. “A utilização da logomarca não foi autorizada pelo CNJ e, por isso, foi solicitada, oficialmente, a exclusão da marca do referido site”, acrescentou.
Reação parecida teve a Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB-SP ao saber que a Senah divulgava ser parceira da organização. “O Sr. Amilton Gomes de Paula não é membro da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB SP e nem a mesma não tem qualquer relação de parceria com a SENAH, sendo indevido o uso do logotipo da Comissão, passível até de ação judicial”, ameaçou.
Outra marca ostentada pela Senah é a do Cifal — Centro Internacional de Formação de Atores Locais — um programa da ONU que reúne organizações que atuam em objetivos ligados à sustentabilidade, como erradicação da pobreza, educação de qualidade e atuação contra mudanças climáticas. Segundo o site do reverendo, a Senah mobilizou 300 mil hectares de florestas primárias para descarbonização do planeta aderindo a esse programa da ONU: a área seria quase o dobro de todo o município de São Paulo.
À Pública, a principal representação do Cifal no Brasil afirmou desconhecer o reverendo ou a Senah. Segundo a assessoria do Cifal Curitiba, a organização não tem relacionamento ou qualquer tipo de parceria formalizada com a ONG Senah. O Cifal tem atualmente 22 centros no mundo e o único no Brasil é o curitibano. A reportagem questionou a Senah sobre a relação com a Cifal e onde estariam os 300 mil hectares de floresta primária, mas não tivemos retorno até a publicação.
A Senah também indica em seu site que realizou uma filiação ao Conselho Consultivo da ONU, o Ecosoc. Contudo, a reportagem consultou uma lista com quase 6 mil entidades vinculadas ao organismo, e não encontrou o nome da Senah ou semelhante na base.
Reverendo tem empresas nos EUA com sócio que já foi denunciado por associação ao narcotráfico
O reverendo Amilton está ligado a pelo menos quatro empresas nos Estados Unidos, todas na Flórida. A primeira delas é a auto intitulada fundação humanitária DFRF Golden Angel Humanitary Foundation, registrada na cidade de Kissimmee, próxima a Orlando. Essa empresa foi indicada durante as negociações de vacinas no Ministério da Saúde como sugestão para receber comissões das vacinas, segundo reportagem do Jornal Nacional. Quem preside a fundação é o brasileiro Daniel Fernandes Rojo Filho — a sigla DFRF se refere ao seu nome. Desde 2015, o reverendo passou a constar como um dos agentes da fundação. Um relatório de 2020 apontou Amilton como presidente da DFRF, e Daniel como vice.
O fundador da DFRF é, no mínimo, uma figura polêmica. Daniel, que além da Golden Angel está à frente da DFRF Enterprises, foi acusado de participar de um esquema de lavagem de dinheiro utilizando empresas de fachada pelo Departamento de Estado da Flórida de 2002 a 2008. Já a agência antidrogas americana apontou Daniel como um dos componentes financeiros do Cartel de Sinaloa, no México, acusando ele e seu sócio de conspirar para traficar e distribuir drogas nos Estados Unidos, como mostrou reportagem da Pública, em 2014. O Cartel de Sinaloa foi comandado por Joaquín Archivaldo Guzmán Loera, o El Chapo, um dos narcotraficantes mais conhecidos e poderosos do mundo.
Atualmente, a DFRF Enterprises se apresenta como uma empresa de mineração e metais. Em um dos processos do governo dos EUA contra Daniel, o brasileiro foi acusado de oferecer retorno aos investidores a partir de minas de ouro no Brasil e África. A Pública encontrou quatro empresas registradas no Brasil nas quais Daniel é sócio. Uma delas, a DWB Mineração Brasil, tem como atividade econômica a extração de minérios de nióbio e titânio.
O reverendo também preside outra fundação humanitária, a Golden Angel Humanitary Foundation, registrada em maio de 2021 e que atualmente fica em Deerfield Beach, cidade à beira-mar na costa da Flórida na qual o religioso indicou residência. Os negócios da Golden Angel são descritos como “prover bens e serviços para os menos afortunados”.
A vice-presidente da Golden Angel é Maria Nazaré Nunes Viana, figura que possui diversas outras relações com o religioso. Uma delas é como agente numa outra empresa, a American Golden Eagle Trading Company, registrada em setembro de 2020 e na qual o reverendo também é agente. Essa terceira empresa está registrada na cidade de Boca Ratón, vizinha a Deerfield.
Nazaré também é a presidente da empresa de cosméticos Bionaza Cosmetics, registrada no mesmo endereço da American Golden Eagle em Boca Ratón. O reverendo fez diversas postagens anunciando “ações humanitárias” da Bionaza para combater a pandemia nos Estados Unidos em 2020, como doações de cestas básicas e distribuição de um sabonete bactericida produzido pela empresa de cosméticos. Os atos foram propagandeados por Amilton como uma parceria da Bionaza com a Senah. A presidente da empresa, Nazaré, é apresentada pelo reverendo como “embaixadora”. A reportagem enviou mensagem para a Bionaza, mas não tivemos retorno até a publicação.
Fonte: Publica