Para general Chagas, eventual golpe de Bolsonaro não teria o apoio de militares da ativa

Por Redação Achado Top em 06/08/2021 às 18:45:03

O presidente insiste no conflito. Como se comportariam os militares se ele tentar impedir as eleições? 

Um golpe só pode ser dado se for ‘politicamente correto’. Se o camarada conseguir chegar na merda pelo lado limpo, aí teria algum perigo. Tu achas que é possível chegar na merda pelo lado limpo? Ninguém vai fazer uma bobagem dessas. 

Como comandante em chefe das Forças Armadas, Bolsonaro tem poder para usar os militares numa tentativa de golpe?

Bolsonaro é um irresponsável. O que ele falou (não haverá eleição sem o voto impresso) é grave, mas comandante em chefe não tem poder ilimitado. Só é legítima a autoridade que atue dentro de seus limites. Nenhuma autoridade do Brasil tem legitimidade para fazer isso, mesmo que seja tema de debate. 

Por que os militares não o desautorizam?

Num momento polarizado, a Força não pode ir para a mídia desmentir porque isso seria entendido como se estivesse ao lado de um. Então é melhor não falar nada. Quando você perguntar, eu respondo. Se tomar iniciativa de falar, vão dizer que a força tomou uma posição em apoio ao outro lado.

O que pode mudar nesse cenário já conturbado?

Tem que olhar para o Exército, para os generais do Alto Comando. Se o comandante tomar uma posição contrária ao Alto Comando, ele vai ficar sozinho, vai dar uma ordem que não será cumprida e isso vai vazar. O pessoal da reserva pode dizer que tem de prender e fuzilar, mas vai ter poder para isso? Pela ESG (Escola Superior de Guerra) definição de poder é capacidade e vontade. As Forças têm capacidade, mas só teriam o poder para usar essa capacidade se houvesse vontade. 

Por que o senhor apoiou Bolsonaro?

Entrei nesse jogo com convicção. Vi depois que a ideia era o “agora nós mandamos aqui”. Percebi, então, que era uma questão de tempo porque ele não tinha jogo de cintura e nem conhecimento. A base dele se dividiu e quem saiu se virou contra ele. Aqueles que considerava adversários agora estão ao lado dele. São os aproveitadores, oportunistas, abutres e que entraram num governo de direita para fazer negócios. Esse pessoal já esteve do outro lado. Veja o caso do Ciro Nogueira (senador do PP, ministro chefe da Casa Civil), que chamou Bolsonaro de fascista, disse que o Lula era maravilhoso, ou seja, o cara vai pra um lado, vai pro outro a troco de grana. Agora o Bolsonaro está calmo porque se rendeu aos bandidos e todo mundo está comprado e pago.

O que levou o Bolsonaro a abrir mão de bandeiras que defendeu na campanha?

Bolsonaro começou a claudicar ao descobrir que havia um negócio chamado rachadinha, que veio à tona quando assumiu. Ele não teve a humildade para dizer que, sim, tinha o problema da rachadinha, mas que era a maneira de sobreviver politicamente e que estava à disposição da justiça para responder. Em vez disso, mudou de lugar o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras] e quis interferir nas atividades da Polícia Federal, colocando obstáculos em investigações para se proteger. Passou a se comportar como um investigado. Numa análise mais profunda, a preocupação dele é com os filhos porque aprenderam com ele a fazer esse negócio. Quando os filhos entraram para a política, Bolsonaro já fazia. No final o Flávio passou a ser o gerente do empreendimento familiar para arrumar dinheiro, essa é que é a verdade. Todo mundo recebeu dinheiro daquele sistema. Flávio então comprou aquela franquia do chocolate para lavar dinheiro.

Na sua opinião o que explica a aliança de Bolsonaro com o Centrão?

Bolsonaro acreditou que tinha força para intimidar o Congresso. Mas passou 30 anos lá e não aprendeu que tem de manobrar com a inteligência de quem sabe que vai ganhar uma e perder outra para se conduzir sem se corromper. O que faz agora? O mesmo de sempre, comprando voto para ter maioria. Só que o que ele pode fazer se aliando a essa gente é muito pouco e vai pagar mais caro.

O senhor apoiou Bolsonaro em 2018. Quem mudou, o senhor ou Bolsonaro?

Estou fazendo uma seleção do que escrevi de 2018 para cá e que vou transformar num livro. Pode ser “o triste fim de um devaneio”. Alguns me acusam de ter mudado de lado por não ter sido convidado para cargo no governo. Mas na verdade, fui mudando de opinião na medida em que o cara foi fazendo cagada. Chegou o momento em que disse: a partir de hoje perdi a confiança nele porque ele não tinha capacidade de fazer o que prometeu.

Como conter as sucessivas crises nesse governo?

Bolsonaro é o elo mais fraco desse governo. Nós somos milicos e sabemos que quando for atacar, tem de ser rompendo o ponto fraco do inimigo. E o ponto fraco é Jair Messias Bolsonaro, seus filhos e os amigos dos filhos, que formaram aquele troço chamado gabinete do ódio. Se ele não muda, é ali que tem de bater. O Executivo tem duas frentes, a gestão e a política. É trabalhar bem o Congresso para facilitar uma gestão da proposta vitoriosa na campanha dentro das regras do jogo. Ele não é gênio e nem o Messias. 

General Paulo Chagas: “Nós somos milicos e sabemos que quando for atacar, tem de ser rompendo o ponto fraco do inimigo. E o ponto fraco é Jair Messias Bolsonaro, seus filhos e os amigos dos filhos, que formaram aquele troço chamado gabinete do ódio”

Como o senhor avalia as declarações atribuídas de Braga Netto supostamente condicionando o voto impresso à realização de eleição?

O Braga Neto (Ministro da Defesa) deve ter mandado um recado, ou alguém que falou com ele, transmitiu a conversa para o Arthur Lira (presidente da Câmara) sobre uma visão: uma eleição em que você não pode auditar a contagem dos votos, ela sempre tem uma interrogação. A solução é a coisa mais simples do mundo: bota do lado da urna eletrônica uma impressora e fica registrado o voto eletronicamente. Qual é a dificuldade de fazer isso para tornar as nossas eleições confiáveis? Tem uma parcela dos brasileiros que não acredita nas urnas eletrônicas. Qual o problema em satisfazer essa dúvida, esse desejo do brasileiro? A Suprema Corte está botando obstáculos em uma coisa que é tão simples de fazer. Aí o sujeito vem e diz que tem o direito de desconfiar, que é fraude. O que sugiro não é o voto impresso. É a impressão do voto eletrônico. Quando a Suprema Corte não aceita, então vem a interrogação. É o que interpreto sobre o que o Braga Neto quis dizer, mas foi infeliz. Ele diz que não manda recado, mas é um comentário que chegou aos ouvidos do Arthur Lira e foi interpretado assim: “os milicos estão dizendo que se não tiver impressão do voto não vai ter eleição”. 

O Estadão sustenta que ele condicionou. Se falou dessa forma, não seria preocupante?

O ministro da Defesa falar isso seria uma coisa tão absurda, que é difícil acreditar. Um cara com conhecimento, experiência e vivência dizer uma coisa dessas com convicção de uma ameaça seria de uma infantilidade, de uma ingenuidade, que não cabe nas quatro estrelas que ele tem no ombro. Braga Netto não tem espaço para ser ingênuo e dizer uma bobagem dessas. Então interpreto que foi uma maneira infeliz de dizer que uma eleição com as urnas com voto impresso seriam eleições que todos os brasileiros iriam aceitar como uma eleição correta. Mas não acredito que tenha condicionado. Seria muita burrice e ele não serve para burro.

Mas ele reafirmou, em nota, que o governo tem legitimidade para defender o voto eletrônico. Eleição é assunto da Defesa?

Não é um tema da alçada da Defesa, absolutamente não. Não tem nada que se meter nisso. Esse é um erro primário. Acho que falou como cidadão e membro do governo, numa função política. Fui crítico do Aldo Rebelo quando ele era ministro da Defesa e participou de uma propaganda do [antigo] partido dele [PCdoB]. Mandei uma mensagem pela ouvidoria do Ministério dizendo que se os militares não podem se manifestar politicamente, ele, como ministro, teria de respeitar essa restrição e se colocar dentro dela. A Defesa é composta de instituições nacionais permanentes, que servem ao Estado e não aos governos. Se ele pode participar de propaganda política e defender determinada ideologia lá, então eu como general, poderia botar a boca no trombone e também defender a minha. Ele não respondeu, mas nunca mais apareceu em propaganda. O mesmo vale para o Braga Netto. Encontrei com Aldo Rebelo várias vezes e ele nunca falou sobre o assunto. Acho que ele entendeu e respeitou.

Chagas não acredita que o ministro Braga Netto tenha condicionado a eleição à aprovação do voto impresso

Os militares conviveram bem com um ministro comunista?

Aldo Rebelo foi talvez o melhor ministro que nós tivemos. É um cara nacionalista. Gosto muito dele. Uma vez, quando o general Ramos foi assessor parlamentar (Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria Geral da Presidência), deram a ele uma lista de deputados aliados. Ele disse: ‘Opa, um comunista como aliado, como assim?”. Ramos foi, então, informado pelo Villas Bôas [Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército] que era um dos que mais ajudavam naquilo que a gente quer. Quando ministro do Esporte, Aldo Rebelo montava lá no regimento (sede dos Dragões da Independência, em Brasília). Levou um cavalo pra lá, fazia equitação e gostava de cavalgadas. Era para ele uma coisa extra classe. Depois que saiu do governo, o cavalo ficou lá. Nessa época o Fernando (Fernando Ramos de Azevedo e Silva, ex-ministro da Defesa) também montava lá com ele. Em certa ocasião, os dois saíram a cavalo conversando. Fernando então perguntou: “ministro como o senhor, um homem nacionalista, inteligente, um cara que a gente admira, com posicionamentos todos coerentes, pode estar nesse partido? Nós não conseguimos identificar o senhor como um comunista”. Aí ele disse assim: ‘general, às vezes a gente na juventude faz uma tatuagem e depois vai ter de conviver com ela para o resto da vida’. Vejo ele como um idealista como um idealista.

O militarismo está entranhado na história da República. Na sua opinião, que papel têm hoje os militares?

Uma coisa é ter opinião, outra é impor. Eventualmente os militares interferiram com quarteladas, usando a força da força, o armamento, o poder militar, mas aí não é democrático e isso aprendemos com a maturidade. Se a geração que me sucede não é melhor, somos incompetentes porque é fruto da nossa geração. Saiu da instituição a influência política. Devemos conhecer e saber sobre a política, mas institucionalmente a política não pode interferir. Se há algo acontecendo que interfere no país, nós temos de tomar conhecimento de uma forma democrática, através das assessorias, conversar e mostrar as consequências. Mas deve ser com opinião profissional, baseada na Constituição, na missão e nas condições de cumprir. Se [o governo] tirar um meio de agir, dá o outro senão não dá para dar conta da missão. É como interpreto a maneira como as Forças Armadas devem interferir na política.

Fonte: Publica

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