Dólar
Euro
Dólar
Euro
Dólar
Euro

aquecimento global

Relatório do IPCC comprova: o aquecimento global já está aqui

Aqui e agora

Os eventos extremos listados no começo deste texto não chegaram a passar pelo escrutínio do painel científico – que avaliou estudos publicados até janeiro deste ano –, mas são exemplos da nova condição que se estabeleceu no planeta e que tende a ficar cada vez mais comum. “A cada relatório temos dados melhores, modelagens mais robustas e a linguagem fica mais clara. Agora a interferência humana foi considerada inquestionável, não se discute mais”, resume a  pesquisadora brasileira Thelma Krug, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e vice-presidente do IPCC. 

O trabalho inova ao quantificar essa atribuição do papel humano nas mudanças já observadas e nas que estão por vir. Eventos de temperaturas extremas no continente que antes ocorriam uma vez a cada dez anos, em média, com o aquecimento atual já ocorrem provavelmente 2,8 vezes. Situações de ondas de calor que antes ocorriam uma vez a cada 50 anos, agora provavelmente ocorrem 4,8 vezes.

“Alguns extremos de calor recentes observados na última década teriam sido extremamente improváveis de ocorrer sem a influência humana no sistema climático. As ondas de calor marinhas praticamente dobraram de frequência desde a década de 1980, e a influência humana muito provavelmente contribuiu para a maioria delas desde pelo menos 2006”, aponta o sumário para tomadores de decisões.

“É muito bom que o documento seja publicado neste momento. Tira um pouco a responsabilidade da variabilidade natural climática nos eventos extremos e coloca que a chance é de de 0 a 5% de que eles ocorressem se não fossem as ações humanas. Ajuda a cair a ficha”, reflete Thelma.

Ministro do interior da Alemanha, Horst Seehofer, sobrevoa regiões afetadas pelas enchentes

O processo de aquecimento vem se acelerando: cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente do que qualquer década anterior desde 1850. A data é usada como referência por marcar o início da Revolução Industrial, quando a humanidade começou a queimar intensamente combustíveis fósseis, aumentando a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera.

Estudos de paleoclima revelam que a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera é ainda mais impressionante. A quantidade de CO2 observada em 2019 era mais alta que a que ocorreu em qualquer momento dos últimos 2 milhões de anos. A concentração de outros gases também importantes para o aquecimento do planeta, como metano e óxido nitroso, era a maior dos últimos 800 mil anos.

O futuro cada vez mais próximo

No ritmo atual, a expectativa é que a temperatura média do planeta chegue a 1,5ºC, ou até exceda esse limite, nos próximos 20 anos. A previsão aproxima dos dias atuais o limite de aquecimento considerado o mais seguro que deveria ser adiado para o fim do século. 

Há três anos, em um relatório especial, o IPCC havia comparado os riscos de um mundo 1,5ºC ou 2ºC mais quente. Os marcos são mencionados no Acordo de Paris, que definiu o compromisso de 195 nações do mundo a tentar limitar o aquecimento a menos de 2ºC até o fim do século, mas com esforços para ficar em até 1,5ºC. 

No documento de 2018, o IPCC mostrou que esse 0,5 grau é suficiente para aumentar os estragos e que, no ritmo atual, o 1,5ºC seria atingido entre 2030 e 2052. Passados três anos, o painel indica que a janela de tempo está se fechando. 

Os cientistas trabalham com cinco cenários diferentes (do mais otimista ao mais pessimista) para estimar como a temperatura do planeta pode reagir e quais outras mudanças no sistema climático podem ocorrer nas próximas décadas conforme a quantidade de emissões de gases de efeito estufa vamos ter.

No mais otimista, as emissões de gases de efeito estufa começam a ser reduzidas já e chegam ao zero líquido por volta de 2050, com uma combinação de estratégias para ter emissões negativas a partir de então – como muitos países vêm prometendo que vão fazer, mas ainda não mostraram como. Somente nesse melhor cenário é possível estabilizar o aquecimento em cerca de 1,5ºC até o fim do século. 

Há um cenário intermediário, em que as emissões de CO2 se mantêm nos níveis atuais e começam a cair a partir de 2050. E dois cenários mais pessimistas, em que o nível de emissões pode dobrar em relação ao atual até 2100 ou, no pior caso, até 2050.

O relatório deixa muito claro que cada tonelada de gás a mais na atmosfera vai tornar a nossa vida mais difícil. O mais dramático, porém, é que muitas das mudanças que estão em curso vão se manter por um tempo, porque os gases que aquecem o planeta hoje não se dissipam tão facilmente. 

É o caso, por exemplo, do aumento do nível do mar. De acordo com os cientistas, no longo prazo, ele vai continuar subindo por causa do aquecimento do oceano profundo e derretimento das calotas polares e deve permanecer elevado por milhares de anos. “Durante os próximos 2.000 anos, o nível médio global do mar aumentará cerca de 2 a 3 metros se o aquecimento for limitado a 1,5ºC, 2 a 6 metros se limitado a 2ºC e 19 a 22 metros com 5ºC de aquecimento”, ressalta o documento.

Boa parte do aquecimento da superfície também já está contratado. “A temperatura global da superfície vai continuar subindo pelo menos até metade do século sob todos os cenários considerados. O aquecimento global de 1,5ºC e de 2ºC será superado no século 21 a menos que reduções profundas das emissões de CO2 e de outros gases ocorram nas próximas décadas”, destaca o relatório.

No cenário intermediário, condizente com o rumo que a humanidade está tomando hoje, o aquecimento pode ser de até 3,5ºC. No pior cenário, a fornalha pode ser até 5,7ºC mais quente. 

Importante ressaltar que isso é na média. O que significa que algumas regiões vão ser muito mais quentes que outras, como indica o mapa abaixo. Ele mostra como fica cada região do planeta com um aquecimento médio de 1,5ºC, na comparação com o período de 1850 a 1900, de 2ºC e de 4ºC. 

Um Brasil ainda mais quente 

“Observe que num mundo 4ºC mais quente, o Brasil fica com um aquecimento de 5,5ºC. É para onde estamos indo com as emissões atuais. Imagine Cuiabá, que normalmente chega a 41ºC, batendo 47ºC. O mesmo em Teresina, Manaus”, ressalta Artaxo. 

O novo documento inova em trazer projeções mais regionalizadas sobre os impactos das mudanças climáticas e revela que a região do planeta denominada no relatório como Monção Sul-Americana, que engloba a porção sul da Amazônia – assim como as áreas de média latitude e as regiões do semi-árido – devem experimentar os maiores aumentos de temperatura nos dias mais quentes. Cerca de 1,5 a 2 vezes a taxa do aquecimento global. 

O número de dias por ano em que a temperatura na região pode exceder 35ºC pode ser de mais de 150 dias até o final do século no pior cenário de emissões de gases de efeito estufa. Essa possibilidade cai para menos 60 dias ao ano no melhor cenário.

No Ártico está previsto ocorrer o oposto. A região deve experimentar os maiores aumentos de temperatura nos dias mais frios. Cerca de 3 vezes mais que a taxa de aquecimento global.

É muito provável que eventos de chuva intensa se intensifiquem e se tornem mais frequentes na maioria das regiões com aumento da temperatura. “Em escala global, projeta-se que eventos extremos diários de precipitação se intensifiquem em cerca de 7% para cada 1ºC de aquecimento global. A proporção de ciclones tropicais intensos (categorias 4-5) e as velocidades máximas dos ventos dos ciclones tropicais mais intensos devem aumentar em escala global com o aumento do aquecimento global”, escrevem os cientistas no sumário para tomadores de decisão.

De volta ao Brasil, num mundo 2ºC mais quente, é projetado um aumento das secas em áreas agrícolas e naturais na região do sul da Amazônia.

No Nordeste, os cientistas apontam uma alta confiança de um aumento dominante na duração da seca. No Sudeste, é projetado um aumento da intensidade da frequência e da intensidade de chuvas extremas e inundações a partir de um aquecimento global de 2ºC.

“Estamos falando há 20 anos que a situação está periclitando, que o caldo está engrossando. É isso, ele já engrossou”, complementa Artaxo.

Questionado se considerava o tom desse relatório mais dramático que os anteriores, Artaxo deu uma risada amarga. “Dramático é um adjetivo que não combina com ciência”, explicou. “Mas é o relatório mais enfático em dizer que é inequívoco nosso impacto no clima

e é enfático em dizer que precisamos reduzir emissões já. Agora. Não é na próxima década não.” Para ele, mesmo sem trazer explicitamente essa expressão, o relatório mostra que o “planeta entrou em estado de emergência”.

Não é pessimismo. É um choque de realidade. Ainda dá para fazer algo a respeito – se não para zerar o problema, ao menos para torná-lo menos danoso. A esperança é que o relatório aumente a pressão sobre a Conferência do Clima da ONU, a COP-26, que será realizada em novembro em Glasgow (Escócia). 

O evento, atrasado em um ano por causa da pandemia, tem a expectativa de impulsionar o Acordo de Paris e acelerar as mudanças que possam zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050. O IPCC está dizendo que isso só vai ser alcançado se as emissões não só de CO2, mas também de metano (gás ligado principalmente à pecuária, o que aumenta a pressão sobre o Brasil) começarem a cair agora. Num ritmo de cerca de 7% ao ano. 

“Em 2020, no início da pandemia, as emissões caíram 6,7% quando tudo foi fechado, teve lockdown, o transporte aéreo parou. Imagine que tem de ser assim pelos próximos 30 anos”, resume Artaxo.

Fonte: Publica

Comentários

Leia estas Notícias

Acesse sua conta
ou cadastre-se grátis