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ameaças democráticas

“Uma Marcha da Família com Deus, sozinha, não fará verão”, diz jurista

Entrevista Belisário Santos_Foto_Bolsonaro_10 de agosto_Agência Brasil

Com 20 anos de idade, ainda estudante de Direito, Belisário Santos Júnior já trabalhava na defesa dos presos políticos na ditadura militar. Foi o início de uma trajetória de mais de 50 anos dedicados aos direitos humanos, passando pela Comissão de Justiça e Paz, Comissão de Mortos e Desaparecidos e depois pela presidência da Comissão de Indenização à Tortura do Estado de São Paulo, criada por ele. Também foi secretário de Justiça e Cidadania do ex-governador Mário Covas entre 1995 e 2000, período em que criou o Plano Estadual de Direitos Humanos.

Com a experiência acumulada na militância por direitos humanos e pela democracia, o jurista percebeu rapidamente a importância de agir contra o retrocesso político, representado pela eleição de Jair Bolsonaro, participando da fundação da Comissão de Direitos Humanos Paulo Evaristo Arns, em fevereiro de 2019. A defesa dos direitos garantidos pela Constituição cidadã “dos que possam estar ameaçados neste novo período duro da história brasileira” é a principal missão da Comissão.

Nessa entrevista exclusiva à Agência Pública, concedida no final da semana passada por telefone, Belisário analisa a crise política provocada pelos arroubos autoritários de Jair Bolsonaro e afirma: a democracia está passando pelo maior teste de resistência desde a Constituição de 1988, mas as instituições estão funcionando.

Leia abaixo a entrevista.

Belisário dos Santos é um homem de pouco mais de 60 anos, branco, com cabelos grisalhos e olhos azuis. Veste uma camisa listrada azul.
Para o jurista Belisário dos Santos, a democracia tem sofrido ameaças contínuas

Na representação contra o Procurador Geral da República que a Comissão Arns enviou ao Conselho do Ministério Público, há uma análise de contexto em que os crimes e omissões de Augusto Aras teriam sido cometidos. Ali se diz que a democracia brasileira está passando por seu maior teste desde a Constituição. O senhor poderia falar sobre isso?

Vivemos em uma época em que as pessoas que deveriam ser os guardiões da democracia mais a ameaçam. E a nossa vida na democracia tem seus alicerces na segurança jurídica, eu cumpro a Constituição, você cumpre a Constituição… como nas regras de trânsito. Quando isso começa a não acontecer, quando o presidente fala que quer manifestações contra o Poder Judiciário, contra o Supremo, despreza o processo eleitoral, o Congresso Nacional, lança ameaça sobre a eleição, que é a esperança dos brasileiros…

Ninguém come democracia, mas sob a democracia as regras e os programas de governo são feitos tendo em vista as preferências demonstradas na Constituição. As políticas públicas são organizadas de acordo com os princípios que a gente estabeleceu ali, como a solidariedade e a proteção aos mais fracos, por exemplo. Quando isso se inverte completamente, a gente chama isso de maior teste de resistência da democracia. Se as instituições resistirem a esse teste é porque essa Constituição Cidadã vai prevalecer por muito tempo.

Mas neste momento nós temos, no Palácio do Planalto, não só o presidente que incentiva os atos contra a democracia – ele próprio tem um raciocínio contrário à democracia, suas preferências por um regime que torturava, que tinha o AI-5 -, mas também todo um gabinete do ódio. Tudo isso vestindo um sistema incompetente de gerir as coisas, com um presidente que não trabalha, um cidadão que se vangloria de não trabalhar, diz “não tenho nada pra fazer hoje” em um país com 14 milhões de desempregados, 580 mil mortos por Covid, e tudo que vem pela frente. O presidente deveria estar dando entrevista sobre como vai combater o desemprego, os efeitos da pandemia, mas ele está preocupado só com a eleição, em criar factóides para que falem dele, como aprendeu a fazer com Steve Bannon. Mas apesar de tudo, as instituições estão resistindo.

Na visão de alguns analistas políticos, a guinada autoritária de Jair Bolsonaro não tem volta, o golpe estaria em curso. Ainda assim o senhor acredita na resistência das instituições?

O golpe de Bolsonaro não significa que as instituições não estejam funcionando. A Justiça responde, o Congresso, bem ou mal, com altos e baixos, também. Foi revogada a Lei de Segurança Nacional, por exemplo. Tem alguma legislação sendo empurrada, às vezes parece que tende a favorecer o governo, mas a instituição está funcionando. Os governos estaduais também estão funcionando, recentemente alguém deu declarações defendendo que militares da ativa participem da manifestação, e o governador de São Paulo afastou, e as pessoas estão se vacinando. O que quero dizer é: no que depende do staff e não da direção do país, as coisas vão funcionando. O Parlamento está atuando para abrandar a crise, e o STF e o STJ, que são a cabeça do Judiciário, não estão planejando golpes. Além disso, a imprensa está tendo seu papel importante, retratando a situação. Nós não somos o país de 1964, uma Marcha da Família com Deus, que pode ser o que aconteça em 7 de setembro, sozinha, não fará verão. Mas por isso que a gente se espanta com uma instituição como a Procuradoria Geral da República que funciona ao contrário do que precisaria, não funciona com a independência que deveria.

Por quê?

Inúmeras razões. Nós demonstramos na nossa representação que esse status que nós temos de jornais diariamente denunciando atos e omissões do Presidente da República, e algumas dessas omissões, e alguns desses atos são de tal nível graves, que mereceriam o olhar do Procurador Geral da República, que ao fim e ao cabo é o fiscal da Lei. A quem incube, junto com outros órgãos de controle – Tribunal de Contas, Controladoria Geral da União – checar isso e dar consequências penais ou às vezes cíveis, como ações de improbidade, como acontece em um governo qualquer. Em São Paulo, por exemplo, o Ministério Público propõe isso, propõe aquilo, o governo reage. No âmbito federal, agora com ajuda da PGR, as coisas que não estão funcionando.

Augusto Aras é um homem branco com cabelo e barba grisalhas. Veste terno preto com gravata azul.
Augusto Aras foi denunciado pela Comissão Arns por não cumprir o seu papel primordial de fiscalizar o poder

A Comissão Arns começou sua vida, conversando com a PGR, a Raquel Dodge. E eu brinco que nós falamos meia hora e ela falou duas [horas], porque queria chamar a atenção para situações de invisibilidade, que não tinha respostas do governo. Às vezes um governo omisso não dá respostas. Mas esse não é um governo omisso. As questões que chamavam a atenção dela eram indígenas, ocupantes de territórios quilombolas, os pequenos posseiros, e essas pessoas não só não tem a atenção do governo mas tem programas de governo contrários a eles. Nós estamos discutindo o Marco Temporal hoje! Se você contar para um marciano que os portugueses ocuparam essa terra há mais de 500 anos e eles querem ver na Constituição Cidadã, de 1988, um marco para dizer que só quem ocupava a terra agora merece ficar nela… Ou seja, só quem resistiu à violência, às desocupações, aos garimpeiros, fica na sua terra. Esse é o prêmio para a ocupação ilegal.

  • Mulher indígena posa em frente ao STF com punho cerrado e levantado. Ela usa adereços indígenas tradicionais.
  • Homens e mulheres indígenas em frente ao STF
  • Uma multidão de indígenas protesta em frente ao STF

Fonte: Publica

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