Nessa perspectiva a luta contra o aborto é, na verdade, mais uma tentativa de controle do corpo das mulheres?
Sim. Nossa sexualidade tem que ser controlada porque os homens não conseguem controlar e nós somos culpadas por isso. A autonomia do corpo da mulher nos é negada o tempo todo.
É tão verdade que este ano vimos convênios médicos exigindo autorização do homem para colocar DIU na mulher. Na lei do planejamento familiar, até hoje, se a mulher quiser fazer laqueadura precisa que o marido autorize. Existem as questões sociais, mas de modo geral a sociedade brasileira é extremamente patriarcal e machista. E não permitir o aborto é controlar a sexualidade feminina.
Alguns pesquisadores que temos entrevistado têm dito que há uma nova onda conservadora no mundo todo, inclusive em organizações que mudam de nome, se modernizam, se tornam transnacionais, como por exemplo a HazteOir e a CitizenGo, que partem principalmente do fundamentalismo cristão, do neoconservadorismo católico e da união com partidos e organizações de extrema-direita. Como você vê isso?
Com a queda de Trump (EUA) muitas organizações que eram expoentes perderam força. Muitos têm sofrido perdas também nos parlamentos europeus, perdendo espaço. Governos de extrema direita também têm perdido força. A pandemia escancarou muito que eles não souberam gerenciar o caos social.
Você diria que os serviços de abortamento legal e os avanços de saúde que citou incluem todas as mulheres de forma igualitária no Brasil?
Apesar da legislação ser uma, as mulheres que têm dinheiro vão acessar clínicas particulares para fazer abortos seguros. Quem morre são as pobres, as negras e as mulheres indígenas. Morrem desnecessariamente. Se a tecnologia permite hoje fazer a interrupção de uma gravidez de forma medicamentosa e domiciliar, nada justifica uma mulher morrer numa clínica clandestina de aborto.
Indígenas e quilombolas, por exemplo, têm acesso a esses serviços tanto quanto outras mulheres?
Mulheres indígenas e quilombolas têm vivências específicas que não estão sendo levadas em conta nas discussões sobre acesso ao aborto legal no Brasil, porém as discussões vêm amadurecendo. A gente tem que incluir as particularidades dos vários grupos e territórios quando falamos de direitos humanos. O debate do direito ao aborto também é sobre o direito à maternidade, sobre a possibilidade das mulheres terem a vivência da maternidade de forma digna, com condições de sobrevivência e existência.
As Católicas pelo direito de decidir atuam no Brasil desde 1993, se posicionando contra fundamentalismos religiosos e a favor da descriminalização do aborto. O que mudou no país desde então, na sua percepção?
A gente (movimentos feministas) tem conseguido segurar retrocessos. Conseguimos, por exemplo, sustar o estatuto do nascituro (proposta parlamentar que busca dar poderes legais ao feto). Não tivemos tantos avanços legislativos na descriminalização do aborto, mas conquistamos alguns avanços em políticas públicas de saúde para as mulheres, como por exemplo a possibilidade de interrupção da gravidez em casos de anencefalia e a norma técnica de atendimento à violência sexual, que aboliu a exigência do boletim de ocorrência e permitiu o acesso abortamento em qualquer serviço de saúde como profilaxia.
Pelo posicionamento, vocês têm sido perseguidas, processadas e ameaçadas?
A gente tá respondendo a um processo que o Centro Dom Bosco (instituição católica ultraconservadora) moveu e fomos impedidas de usar o nome ‘católicas’. Dizem que não somos católicas. É a primeira vez que tem um processo, mas conseguimos recorrer da decisão do TJSP, que agora aguarda julgamento em instâncias superiores.
Fonte: Publica